Tribuna 12:45

A singularidade do paradoxo da Volta a Portugal

O pelotão na Casa do Penedo, cuja gravilha protagonizou das mais bonitas imagens dos primeiros dias da Volta
TIAGO PETINGA

É notável a capacidade que a Volta a Portugal tem de criar o seu próprio universo, um mundo paralelo, derrubando as paredes da realidade e quase entrando numa dimensão diferente. As audiências, as horas de televisão em canal aberto, as grandes empresas que patrocinam a competição. A romaria, as milhares e milhares de pessoas à beira da estrada, Mondim de Basto em delírio. O primeiro-ministro no carro do diretor da prova, o aparato, subitamente Montenegro é Macron, Joaquim Gomes é Christian Prudhomme, a Volta ao tamanho do Tour.

E depois paramos, olhamos com distância e perspetiva e tudo isto é por uma prova que não é, sequer, uma das mais importantes do ciclismo mundial a disputar-se esta semana, quanto mais este ano. Se olharmos para a startlist, eis um acontecimento menor. Se atendermos ao aparato, ao lugar no coração das pessoas, eis o acontecimento desportivo do verão. Qual é a verdade? Ambas.

A Volta a Portugal é uma corrida única no mundo: nenhuma competição de nível tão baixo gera tanto interesse mediático, tanto aparato, tem tamanho impacto social. A composição do pelotão, mesmo para uma competição da terceira divisão do ciclismo, é escassa em qualidade, sobretudo pela decrescente valia das equipas estrangeiras; nota-se a mobilização televisiva, o impacto da caravana, e tem-se uma prova com um embrulho que não se vê em certas ocasiões na elite das bicicletas.

Constatar a singularidade da Volta permite, de seguida, fazer duas coisas. Pegar no impacto social e considerá-lo um tesouro do nosso desporto, saber do potencial que tal tem para a modalidade, e ser consciente de que, desportivamente, a Grandíssima está muito abaixo do que se verificava no passado.

Note-se a lista de participantes de 2000. Além de haver quase mais 60 corredores, havia sete equipas da primeira divisão internacional, quando agora só há uma do segundo escalão e tudo o resto é do terceiro degrau da pirâmide. Adicionalmente, comparar os elencos de 2000 e 2025 é como meter um Ferrari ao lado de um carrinho de rolamentos.

Nesta edição, a maior figura a participar será Iúri Leitão, destaque da pista, campeão olímpico, mas homem cuja fama vem dos velódromos, não das estradas. E em 2000? Havia Melchor Mauri, antigo vencedor da Vuelta, Ján Svorada, ganhador de etapas nas três grandes voltas nos anos anteriores, Andrei Zintchenko, que na Vuelta de 1998 conquistara três tiradas. A juntar a isto, havia jovens que marcariam as temporadas seguintes, como Óscar Pereiro, primeiro do Tour 2006, Denis Menchov, o melhor da Vuelta 2007 e do Giro 2009, ou Iban Mayo, quinto da Vuelta 2002 e sexto do Tour 2003.

O pelotão e Portugal
TIAGO PETINGA

O ciclismo mudou e a transformação foi reduzindo a categoria de quem disputa a Volta. O World Tour foi-se tornando um clube mais fechado, a lógica dos pontos foi adquirindo maior importância, ditando que ganhar a Volta, que requer 11 dias de esforço, vale o mesmo que impor-se numa clássica, que exige meras horas em cima da máquina. E pontos significam licenças para subir ou permanecer em divisões superiores, que dão a chave para abrir as portas das corridas que levam a que os patrocinadores invistam no projeto A e não no B.

Com um agosto cheio de outras provas, vir para o calor e a dureza portuguesa é cada vez menos apelativo. É desgaste com escassa recompensa.

Adicionalmente, tivemos o elefante na sala. Enquanto, lá fora, o ciclismo travou uma dura e desconfortável luta contra o doping, saindo do caso Armstrong para se credibilizar, rejuvenescer e entrar em nova era dourada, fazendo regressar gigantes multinacionais como sponsors, por cá essa batalha tardou em iniciar-se.

Só a partir de 2023 é que o passaporte biológico entrou em vigor em Portugal. A década passada foi quase fatal para a credibilidade do ciclismo nacional, sabendo-se aquém e além-fronteiras que os resultados que se registavam não tinham, para usar um eufemismo, o grau de escrutínio que existia no World Tour.

Os brutais níveis físicos, os sensacionais watts por quilo que se registavam nas subidas à Senhora da Graça ou à Torre, tornaram-se piada na internet que segue o ciclismo por todo o mundo. E, sejamos honestos: o escândalo da W52-FC Porto impactou por ser o maior caso de doping da nossa história, mas não surpreendeu.

Na ressaca das suspensões, o pelotão português reajusta-se. Enquanto, internacionalmente, João Almeida e companhia protagonizam uma vaga de resultados do melhor que se tem obtido nas últimas décadas, internamente há uma modalidade que usa estes dias de enorme exposição para sobreviver no resto do ano, mirrando na qualidade que regista.

Se, às custas das pedaladas de quem cedo saiu das corridas portuguesas ou das glórias de quem compete na pista, a bandeira portuguesa é habitualmente vista no ciclismo no estrangeiro, a realidade doméstica é de Série D. Isto não significa que a Volta não seja espetacular, entretida, divertida, entusiasmante ou relevante, só o faz habitando patamares competitivos inferiores.

O que queremos que seja a Volta? Em ano em que o contrato de concessão com a Podium, a organizador, termina, é uma pergunta a fazer. Será que ter uma Volta de qualidade muito superior seria bom para as equipas nacionais, que vivem com a chama da esperança de vestirem aquela amarela acesa?

Na Volta ao Algarve, que anualmente junta grandes figuras, há 41 etapas consecutivas que um português não ergue os braços em glória. A última vez foi Amaro Antunes, no Malhão, em 2017. Devido aos casos de doping a envolverem o algarvio e a W52-FC Porto, esse êxito, oficialmente, conta. Antes disso, temos de recuar até 2006 — João Cabreira, também no Malhão — para termos um português a ganhar na Algarvia.

Subir muito o nível seria contraproducente. Ter um nível tão baixo não é o mais prestigiante, por muito que a magia transformadora da Volta faça milagres. Talvez Afonso Eulálio, destaque de 2024 que deu o salto para World Tour, e Lucas Lopes, jovem que brilhou na Senhora da Graça, ofereçam pistas do que pode ser o futuro, cuidando e mimando o talento que por cá se forma e lançando-o para a elite.

Uma coisa é certa: depois do ciclo horrível que culminou no escândalo da W52-FC Porto, o pelotão nacional pode entrar em nova fase. Com uma renovada liderança na Federação de Ciclismo e o contrato de concessão a terminar, é o momento ideal para pensar o que queremos que seja esta fonte de paradoxos.

O que se passou

A semana foi marcada pela inesperada morte de Jorge Costa. Por isso, o FC Porto adiou o jogo contra o Vitória SC, só se estreando no campeonato esta segunda-feira, e Farioli promete honrar o legado do eterno capitão.

Na primeira jornada, o Sporting venceu e convenceu diante do Casa Pia. Na caminhada rumo à Liga dos Campeões, o Benfica foi a Nice estrear parceria atacante e ganhar.

A Volta a Portugal está na estrada. Como já é quase tradição, Rafael Reis foi o primeiro amarela, mas também houve um triunfo bem mais alternativo, com Hugo Nunes a festejar em Bragança. Na Senhora da Graça, o domingo foi marcado pelos incêndios, com Byron Munton a ganhar e Nych a assumir a liderança.

Há uma nova jovem estrela no ténis. Quem é Viktoria Mboko?

Em fúria perante as prestações recentes do Palmeiras, adeptos atacaram o centro de treinos do Palmeiras. Em Inglaterra, o Crystal Palace bateu o Liverpool e venceu a Supertaça.

três portugueses nomeados para a Bola de Ouro. Não é difícil adivinhar onde jogam.

Zona mista

“Era um de nós. Não se achava mais nem menos do que os outros. Era raçudo. Só de olhar já metia toda a gente na ordem. Os portuenses identificam-se com figuras assim. Ele representava a fibra deste povo. Era o nosso menino”

Conceição Alves, de 71 anos, ouvida na reportagem do André Manuel Correia durante a homenagem a Jorge Costa, o eterno e lendário ‘Bicho’. A morte do capitão de Sevilha, Gelsenkirchen e Tóquio gerou uma vaga de homenagens a quem dominava a arte de puxar por uns ou de ajudar a forjar novos capitães noutros.


O que vem aí

Segunda-feira, 11

⚽ Dose dupla na I Liga: Estoril-Estrela da Amadora (18h45, Sport TV2) e FC Porto-Vitória SC (20h15, Sport TV1).
⚽ II Liga: Oliveirense-Farense (18h00, Sport TV+).
🚴‍♂️ Etapa 5 da Volta a Portugal, entre Lamego e Viseu (15h00, RTP1).
🎾 No Ohio, ATP 1000 de Cincinnati (16h00, Sport TV7).

Terça-feira, 12

⚽ O Benfica decide o destino na terceira pré-eliminatória da Liga dos Campeões, recebendo o Nice (20h00, TVI/Sport TV1).
⚽ Do outro lado do Atlântico há Libertadores, com o Fortaleza de Renato Paiva a receber o Vélez Sarsfield (23h00, Sport TV1).
🎾 O ATP 1000 de Cincinnati começa à tarde e prolonga-se pela madrugada (16h00, Sport TV7).
🚴‍♂️ Em dia de descanso da Volta a Portugal, arranca a Volta à Dinamarca (14h30, Eurosport 2), com caçadores de etapas de luxo como Mads Pedersen, Jasper Philipsen, Fabio Jakobsen, Arnaud de Lie ou Magnus Cort.

Quarta-feira, 13

⚽ Há discussão de título UEFA, com a Supertaça Europeia entre PSG e Tottenham (20h00, Sport TV5).
⚽ Na Libertadores, Cerro Porteño-Estudiantes (23h00, Sport TV1).
🚴‍♂️ A 6.ª etapa da Volta liga Águeda à Guarda, com terreno muito acidentado (15h00, RTP 1).
🎾 Prossegue o ATP 1000 de Cincinnati (16h00, Sport TV7).

Quinta-feira, 14

⚽ O SC Braga tentará fazer valer a vantagem obtida na Roménia contra o Cluj (19h30, Sport TV1) e o Santa Clara procurará o mesmo frente ao Larne (20h00, Sport TV2).
🚴‍♂️ A 7.ª tirada da Volta a Portugal tem a chegada à Torre (15h00, RTP 1).
🎾 Mais Cincinnati (20h00, Sport TV3).
⚽ Do outro lado do Atlântico, Flamengo-Internacional (01h30, Sport TV1) e Botafogo-LDU Quito (23h00, Sport TV1), ambos da Libertadores.

Sexta-feira, 15

⚽ É feriado e há bola à tarde: AFS-Casa Pia (15h30, Sport TV1).
⚽ Na II Liga, Feirense-Portimonense (18h00, Sport TV+).
🚴‍♂️ 8.ª etapa da Volta a Portugal, saindo de Ferreira do Zêzere e chegando a Santarém (15h00, RTP 1).
⚽ Começam várias ligas de topo: a Premier League, com um Liverpool-Bournemouth (20h00, DAZN 1), a Ligue 1, com um Rennes-Marselha (19h45, Sport TV1), e La Liga, com um Girona-Rayo (18h00, DAZN 2) e Villarreal-Real Oviedo (20h30, DAZN 2).
🎾 Cincinnati a entrar na fase decisiva (20h00, Sport TV7). No WTA, é tempo de quartos de final (16h00, DAZN 3).

Sábado, 16

⚽ I Liga: Tondela-Famalicão (15h30, Sport TV1), Vitória SC-Estoril (18h00, Sport TV2) e Estrela da Amadora-Benfica (20h30, Sport TV1).
🚴‍♂️ A penúltima etapa da Volta chegará ao alto do Montejunto (15h00, RTP 1).
⚽ II Liga: Felgueiras-Marítimo (11h00, Sport TV1), Vizela-FC Porto B (14h00, Sport TV+), Académico-Paços (15h30, Sport TV2) e Lusitânia-Chaves (15h30, Sport TV6).
⚽ Lá fora, Aston Villa-Newcastle (12h30, DAZN 1), Brighton-Fulham (15h00, DAZN 1) ou Wolves-City (17h30, DAZN 1), na La Liga, Maiorca-Barcelona (18h30, DAZN2) e, em França, Lens-Lyon (16h00, Sport TV3) e Mónaco-Le Havre (18h00, Sport TV3).
🏍️ Moto GP, GP Áustria, corrida sprint (14h00, Sport TV4).
🎾 Cincinnati (20h00, Sport TV).

Domingo, 17

⚽ Quatro encontros na I Liga: Rio Ave-Nacional (15h30, Sport TV1), Alverca-SC Braga (18h00, Sport TV2), Santa Clara-Moreirense (18h00, Sport TV4) e Sporting-Arouca (20h30, Sport TV1)
🚴‍♂️ Última etapa da Volta a Portugal, com o contrarrelógio de 16,7 quilómetros de Lisboa (15h00, RTP1)
⚽ II Liga: Farense-Torreense (11h00, Sport TV1) e Penafiel-Oliveirense (14h00, Sport TV+)
⚽ Lá fora, destaque para o Ruben Amorim-Gyökeres da primeira jornada da Premier League (16h30, DAZN1). Também Espanyol-Atlético de Madrid (20h30, DAZN1) ou Nantes-PSG (19h45, Sport TV3)
🏍️ Moto GP, GP Áustria, corrida principal (13h00, Sport TV4)
🚴‍♂️ A clássica de Hamburgo, uma prova do World Tour (14h30, Eurosport 2)

Hoje deu-nos para isto

A I Liga começou plena das originalidades do futebol nacional. Quando o calendário virou para o dia 8 de agosto, data do Casa Pia-Sporting que inaugurava 2025/26, ainda não havia calendarização da segunda jornada, um atraso muito diferente do que se vê lá fora.

A primeira jornada teve e terá vários jogos aos dias de semana, fazendo-se a ressalva de que o FC Porto-Vitória foi empurrado para segunda-feira na sequência da morte de Jorge Costa. Mas, antes das fases regulares de competições europeias ou das taças virem baralhar o calendário, já temos um Estoril-Estrela à segunda por pura vontade de quem organiza.

A segunda jornada terá mais um encontro (Gil Vicente-FC Porto) à segunda-feira à noite. E assim segue a bola, não necessariamente amiga dos sábados e domingos.

Casa Pia e Sporting no arranque da I Liga
Gualter Fatia

O pontapé de saída foi dado em Rio Maior, longe de Lisboa. Circunstancial? Bem, o Casa Pia vai para a quarta época seguida na I Liga e as obras em Pina Manique apresentam uma conclusão muito, muito distante. Certamente que cada entidade envolvida — clube, liga, município — dará respostas eloquentes e empurrará as culpas para o vizinho, mas a realidade é esta.

Ainda assim, há alguns motivos para otimismo. A classe média-alta, a gama do Famalicão/Estoril/Santa Clara/Casa Pia, aparenta projetos de continuidade, com bons treinadores e capacidade de ir ao mercado recrutar jogadores interessantes. Gil Vicente ou Moreirense parecem melhores, houve boas molduras humanas em Famalicão e Braga,

Há muita curiosidade em torno de treinadores jovens. Vasco Botelho da Costa e Luís Pinto querem seguir o destaque de João Pereira ou Tiago Margarido, num campeonato que é tubo de ensaio nos bancos: só José Mota supera os 50 anos e há sete técnicos que ainda não chegaram às quatro décadas de vida.

Muito disto será ofuscado pelo vício da polémica a envolver os três maiores clubes nacionais. Mas, apesar de nunca sabermos bem quando há jogo e, quando sabermos, ser bem possível que seja a uma segunda-feira à noite, vale a pena ver o campeonato de um dos países que mais e melhor talento — nos relvados e nos bancos — forma na Europa.

Tenha uma boa semana, aproveite as emoções da Volta a Portugal e o arrancar da época do futebol, e obrigado por nos acompanhar aí desse lado, lendo-nos no site da Tribuna Expresso, onde poderá seguir a atualidade desportiva e as nossas entrevistas, perfis e análises. Siga-nos também no Facebook,Instagram e noTwitter.

E, claro, é sempre para ouvir o nosso podcast “No Princípio Era a Bola”, com Tomás da Cunha e Rui Malheiro, espaço de debate e análise sobre tudo o que suceder no planeta futebol. Ainda deseja uma antevisão à I Liga 2025/26? Tem-na aqui.