Tribuna 12:45

Jorge Jesus tem razão: não há comparação possível entre o campeonato saudita e o português. E ainda bem

"Quem quer comparar o campeonato português com o campeonato saudita, só fala porque não sabe", diz Jorge Jesus
Nikhil Patil/Getty

“É um campeonato muito forte, às vezes, como vejo a televisão portuguesa, vejo a quererem comparar este campeonato com o campeonato português, como se tivesse alguma comparação. Não há comparação possível”.

A citação é de Jorge Jesus, numa entrevista à “ABola”. Pouco depois, o técnico português reforça a ideia, caso ficassem dúvidas: “Não há comparação possível. Quem quer comparar o campeonato português com o campeonato saudita, só fala porque não sabe”.

O técnico do Al-Hilal faz o seu papel. Como líder da equipa que domina a endinheirada liga saudita, JJ tem de louvar o contexto competitivo em que está inserido para, dessa forma, se louvar a si e ao seu trabalho. E, pelo caminho, fazer o trabalho que está na base da aposta saudita no futebol, da aposta saudita no desporto, realizar a tarefa para a qual se contrata Jorge Jesus e Neymar, Cristiano Ronaldo e Benzema, a razão que leva a comprar encontros de ténis ou combates de boxe: lavar e promover a imagem da Arábia Saudita.

Mas olhemos aos argumentos apresentados por Jorge Jesus. Para enaltecer a qualidade da liga saudita, o treinador indica que “cada equipa tem dez estrangeiros, estrangeiros esses todos, ou quase todos, das seleções dos seus países”. Bem, Jorge, é legítimo dizer que a fuga de talento para o Oriente levou futebolistas de muita qualidade, os quais mantêm presença regular nas respetivas seleções, desde logo na portuguesa — um dia ainda debateremos as razões que fizeram dos nossos jogadores e treinadores pontas-de-lança da aposta saudita na bola, nacionalidade preferencial deste sportswashing.

No entanto, não é verdade que sejam “todos, ou quase todos, das seleções dos seus países”. Vejamos os brasileiros. Dos 25 que atuam no país, só sete são internacionais, e entre eles estão Malcom e Bento, que têm zero jogos oficiais pelo escrete, ou Roger Ibañez, que só disputou 6 minutos pelo Brasil em encontros que não fossem amigáveis.

Dos nove espanhóis que estão na liga, só dois são internacionais. Dos oito franceses, só quatro são internacionais. Dos 11 portugueses, seis são internacionais. Estes números estão longe de significar que “todos ou quase todos” os estrangeiros sejam opções nas respetivas equipas nacionais.

Neste “campeonato muito forte” joga o Al-Nassr, de Cristiano Ronaldo, Otávio e Rúben Neves, o qual veio à Península Ibérica no verão e…bem, os resultados não foram famosos: derrota por 4-0 contra o FC Porto, derrota por 3-0 contra o Almería, derrota por 1-0 frente ao Granada, derrota por 1-0 contra o Portimonense. Empate a zero contra o Lusitano de Évora, empate a um frente ao Farense e somente um triunfo, contra o Marítimo. Eram só amigáveis, mas a amostra foi muito pobre.

Um mural em Milão com as figuras de Mancini, selecionador saudita, Mohammed bin Salman, príncipe herdeiro e primeiro-ministro do país, e Ronaldo segurando bolas manchadas de sangue
Marco Luzzani

Jorge Jesus elogia ainda os estádios, os quais são, também, de “grande qualidade”, dando “boas condições” para os adeptos. O problema é que os adeptos não vão lá em grande número.

Neste área, Jorge, não há comparação entre o campeonato saudita e o português. Em 2023/24, após a euforia da chegada de craques, os principais emblemas sauditas não conseguiram, mesmo assim, encher os seus estádios.

O Al-Ahli, o Al-Hilal, o Al-Ittihad e o Al-Nassr, o quarteto de principais clubes do país, com montes de dinheiro injetado pelo fundo soberano saudita, tiveram assistências médias que, em 2023/24, andaram entre os 24 e os 17 mil espetadores por emblema. Não há, mesmo, comparação com Portugal, país que está longe de ser conhecido pelos estádios cheios, mas no qual as médias de assistências foram bem superiores: 56.248 no Benfica, 40.102 no Sporting, 37.912 no FC Porto.

Tirando os quatro maiores clubes sauditas, mais nenhum teve uma média acima das 10 mil pessoas por encontro, algo que, na I Liga, também Vitória SC (17.388), SC Braga (15.445) e Boavista (10.627) conseguiram. Portugal nem é um país de estádios cheios, mas não há mesmo comparação possível, Jorge.

Depois dos estádios ou dos jogadores, vamos a outra linha de raciocínio de Jorge Jesus. Neste caso, não é meramente desportiva: “A Arábia Saudita é um grande país, um país onde há regras, é seguro. Na Europa já não há nada disto, um país onde qualquer cidadão se sente seguro”.

KARIM JAAFAR

“Qualquer cidadão se sente seguro”, exceto os que criticam o regime, como a mulher condenada a 34 anos de prisão por partilhar mensagens de protesto no Twitter; todos estão bem, exceto os migrantes que foram submetidos a tortura apenas por se encontrarem no território em situação irregular; é o paraíso na terra, exceto para as mulheres, que têm de ter um tutor legal, um homem que, basicamente, manda nelas até se casarem, altura em que passam a ser obrigadas a obedecer ao marido; “Qualquer cidadão se sente seguro”, exceto os homossexuais que foram decapitados, acusados de alegadas confissões de sexo com outros homens, já que a homossexualidade é crime.

Bem, Jorge, talvez não seja também seguro para outros ativistas presos por críticas na internet. Ou para Jamal Khashoggi, o jornalista assassinado no consulado saudita em Istambul em outubro de 2018. Já agora, o FBI considerou Mohammad bin Salman o responsável direto por essa morte. Não sabes quem é MBS? É fácil, é o homem que normalmente está em tribunas de jogos de futebol importantes, convivendo com altas figuras, como o presidente da FIFA. É o presidente herdeiro saudita e primeiro-ministro de um país com “historial aterrador” de direitos humanos.

Tirando tudo isto, talvez seja verdade que quem não se insira nas anteriores situações de pecado “se sinta seguro”. Sobretudo se ganhar uma fortuna e praticamente não tiver vida social, vivendo num complexo habitacional de luxo. Hmm, soa familiar?

“Eu não tenho uma vida social fora do futebol muito grande, ou seja, a minha vida é praticamente Al-Hilal e o compound onde vivo”, diz Jorge Jesus na entrevista. Certamente que passar a vida num clube de futebol detido pelo fundo soberano da Arábia Saudita e num condomínio para estrangeiros que ganham fortunas é a melhor forma de avaliar a vida num país.

Jorge Jesus tem razão. Não se pode comparar o campeonato saudita ao português, desde logo porque não se pode comparar a Arábia Saudita a Portugal. E ainda bem que assim é.

O que se passou

Na I Liga, tudo na mesma: o Sporting segue totalmente vitorioso, com um contundente 3-0 ao Estoril, o FC Porto segue em segundo, partindo para a goleada (4-0) contra o Arouca a partir do momento em que jogou com mais um, e o Benfica prossegue a retoma de confiança com Bruno Lage, com um 5-1 ao Gil Vicente. Houve, ainda, sorteio da Taça de Portugal.

Tadej Pogačar, o fenómeno esloveno, sagrou-se campeão do mundo de ciclismo. As competições de Zurique trouxeram-nos uma tragédia, com o falecimento de Muriel Ferrer, ciclista suíça de 18 anos, que faleceu após sofrer uma queda.

O Diogo Pombo foi esmiuçar as conclusões feitas por um estudo da Confederação do Desporto de Portugal. Leia-as aqui, onde se fica a saber que o Estado financia nem 10% do valor do desporto nacional.

Jannik Sinner, afinal, ainda não pode estar descansado: Agência Mundial Anti-Doping quer suspensão do italiano. O vencedor do recente US Open está “muito desapontado e surpreendido”.

O Sporting está a brilhar na Champions de andebol, somando vitórias históricas. O Francisco Martins escreve sobre o êxito dos leões.

Portugal foi ao Mundial de futsal defender o título conquistado em 2021, mas saiu do Usbequistão com uma eliminação precoce, caindo nos oitavos de final frente ao Cazaquistão.

Sobre algumas das principais competições internacionais disputadas em solo nacional: o Moto GP continuará em Portimão por mais dois anos, enquanto o Estoril Open, que descerá de categoria para o ano, voltará a ser um ATP 250 em 2026.


Zona mista

Não considero que no Atlético de Madrid haja alguém racista nem anti-racista nem nada disso… São adeptos que se comportam e que, como em todos os grupos de adeptos, há um grupo que é quem move este tipo de temas

As palavras são de Enrique Cerezo, presidente do Atlético de Madrid, antes do dérbi da capital, o qual foi marcado por lamentáveis incidentes. O dirigente referia-se à possibilidade de, no encontro, existirem cânticos racistas contra Vinícius Júnior, tal como já sucedeu noutras ocasiões no Metropolitano. É sintomático do problema de racismo estrutural existente no futebol espanhol que um presidente, para abordar o tema, diga que no seu clube não há “racistas nem anti-racistas”, colocando-os como duas faces da mesma moeda, como se quem defende a decência humana e quem a ofende fizessem parte de bandos equiparáveis.

O que aí vem

Segunda-feira, 30
⚽ Quartos de final do Mundial de futsal: França-Paraguai (13h30, Sport TV1) e Cazaquistão-Argentina (16h00, Sport TV1)
⚽ A 7.ª jornada da I Liga termina com o AVS-Farense, na estreia de Tozé Marreco como técnico dos algarvios (20h15, Sport TV1)
⚽ O Besiktas de João Mário, Rafa e Gedson Fernandes vai ao terreno do Kayserispor (18h00, Sport TV1)

Terça-feira, 1 de outubro
⚽ A Liga dos Campeões vai para a segunda jornada da fase de liga, com destaque para o PSV-Sporting (20h00, Sport TV5). Há ainda um apelativo Arsenal-PSG (20h00, DAZN 1).
🎾 Siga as decisões do ATP 500 de Pequim (9h00, Sport TV2) e do ATP 250 de Tóquio (11h00, Sport TV3)
🎾 Durante a semana, siga o ATP Challenger 75 de Braga, na Sport TV3 e com muita presença portuguesa
🚲 Volta a Langkawi (7h30, Eurosport 1)

Quarta-feira, 2
⚽ A primeira meia-finai do Mundial de futsal, entre a Ucrânia e o Brasil (16h00, Sport TV1)
⚽ Na Liga dos Campeões, o Benfica recebe o Atlético de Madrid (20h00, Sport TV5). O Aston Villa defronta o Bayern Munique (20h00, DAZN 2), o Lille mede forças contra o Real Madrid (20h00, DAZN 1) e o Bologna vai a Liverpool (20h00, DAZN 3)
⚽ Portugal estreia-se na Liga Conferência, com o Vitória SC a receber o Celje. Infelizmente, o horário do jogo é impróprio para um dia de trabalho (15h30, DAZN 1)
🎾 Masters 1000 de Shanghai (5h30, Sport TV2)

Quinta-feira, 3
⚽ Partida no Dragão com aroma a 2004: FC Porto-Manchester United (20h00, Sport TV 5) para a Liga Europa. Antes, o Sporting defronta, fora, o Olympiacos (17h45, DAZN 1)
⚽ Na Liga Conferência, Chelsea-Gent (20h00, DAZN 1) e, na Liga Europa, o Twente contra o Fenerbahçe de José Mourinho (20h00, DAZN 2)

Sexta-feira, 4
⚽ Arranca a 8.ª jornada da I Liga, com o Rio Ave-Famalicão (20h15, Sport TV1)
⚽ Em França, Marselha-Angers (19h45, Sport TV2); em Espanha, Leganés-Valencia (20h00, DAZN 1)
⛳ Alfred Dunhill Links Championship (12h00, Sport TV3)

Sábado, 5
Na I Liga, Sporting-Casa Pia (20h30, Sport TV1). Antes, Gil Vicente-Estrela da Amadora (15h30, Sport TV1), Moreirense-Santa Clara (15h30, Sport TV2) e Arouca-AVS (18h00, Sport TV 2)
Na Premier League, Crystal Palace-Liverpool (12h30, DAZN 1) ou Manchester City-Fulham (15h00, DAZN 1); na La Liga, Real Madrid-Villarreal (20h00, DAZN 1); na Serie A, Inter-Tornino (19h45, Sport TV5)
🏀 Imortal-Sporting (18h00, DAZN 1)
🏍️ GP Japão de Moto GP, corrida sprint (7h00, Sport TV4)
⛳ PGA Tour: Mississippi Championship (21h00, Eurosport 1)

Domingo, 6
Na I Liga, o duelo de cartaz da ronda é o FC Porto-SC Braga (20h30, Sport TV1). Antes, há um Nacional-Benfica (18h00, Sport TV2), um Farense-Estoril (15h30, Sport TV3) e um Vitória SC-Boavista (15h30, Sport TV2)
Lá fora, destaque para o Aston Villa-Manchester United (14h00, DAZN 1), para o Fiorentina-Milan (19h45, Sport TV6), para o Eintracht Frankfurt-Bayern (16h30, DAZN 1) ou para o Nice-PSG (19h45, Sport TV3)
Na liga espanhola feminino, o Barcelona de Kika Nazareth defronta o Madrid CFF (15h00, DAZN 6)
🏍️ GP Japão de Moto GP, corrida (6h00, Sport TV4)
🏈 NFL: Jets-Vikings (14h30, DAZN 3)
🎾 A final do WTA 1000 de Pequim (12h00, DAZN 6)
🚲 Paris-Tours (14h00, Eurosport 1)

Hoje deu-nos para isto

Há uma forma interessante de avaliar a grandeza de Tadej Pogačar: olhe-se para as caras dos adversários que o esloveno bate e, para além da tristeza, da dor de não ter vencido, há, quase sempre, um toque de alegria. Não é felicidade por não ganhar, claro, mas um sorriso por ver aquele génio leve, aquele craque que tão bem faz ao ciclismo, vencer. É a consciência que partilhar a estrada com este fenómeno histórico é, em si, história, como marchar ao lado de Alexandre, o Grande.

Tadej Pogačar ganha. Ganha muito, venceu o Tour e o Giro em 2024, algo que ninguém fazia desde Marco Pantani, em 1998. Ganha a tripla coroa do ciclismo, juntando essas duas grandes voltas ao título de campeão do mundo, algo que ninguém fazia, também, desde o século passado, quando Eddy ­Merckx e ­Stephen Roche o conseguiram.

Mas, por muito que Pogačar ganhe, e ganha muito, não é o quanto que mais surpreende. É o como. Atacando, sendo ousado, sendo maravilhosamente louco, uma explosão de talento. É o impossível em cima de duas rodas.

Ganha muito. Ganha em todos os terrenos, a subir e no empedrado, em corridas de três semanas ou de um dia. Ganha no presente, comparando-se com os grandes do passado. E ganha para o futuro do ciclismo, conquistando adeptos para a modalidade.

É difícil encontrar um desportista que faça tanto pela sua modalidade como ele. Daí, também, o sorriso dos que são testemunhas diretas das proezas do esloveno. Mais do que ser uma honra para Pogačar vestir o arco-íris, é uma honra para o arco-íris ser vestido por Tadej. A história da camisola fica mais completa se cruzada com a história do rapaz do tufo de cabelo a sair pelo capacete.

Tadej Pogacar, o novo dono do arco-íris
FABRICE COFFRINI

Tenha uma boa semana, a primeira em que coincidem as três competições europeias, e obrigado por nos acompanhar aí desse lado, lendo-nos no site da Tribuna Expresso, onde poderá seguir a atualidade desportiva e as nossas entrevistas, perfis e análises. Siga-nos também no Facebook, Instagram e no Twitter.

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