“Queres aprender o estilo preferido do espetador e o mais difícil de nadar?” é a retórica pergunta e aparece escrita na legenda do primeiro vídeo devolvido pelo YouTube. A pesquisa ‘como nadar mariposa’ tem, por estes dias, nada de inocente. Pode bem ser a onda de choque colateral que provavelmente se repete, com mais afinco, na rede social dos vídeos, desde os mergulhos de Diogo Ribeiro na piscina de Doha, no Catar. Ele submergiu a ondular, os braços entrelaçados à frente, as pernas fundidas como barbatana, um esculpido corpo a contorcer-se dentro da água a tresandar de cloro no movimento mais parecido ao de um golfinho e, por isso, o menos humano.
Há razões várias para nós, em gaiatos, não aprendermos de início a nadar mariposa quando somos introduzidos à água. É um estilo difícil, exige uma síncope complicada na coordenação motora, os membros de trás unidos, os da frente a pularem sobre a superfície em simultâneo, mas foi com esse que Diogo Ribeiro ainda canalha, com 6 ou 7 anos, chantageou a então treinadora. Ou o ensinavam a deslizar na água com esse estilo, ou saía da piscina e equipava para se dedicar ao futebol em relva firme. O sobredotado da força e sincronia corporal que começara na natação aos seis meses queria ser desafiado, já se fartava da monotonia das rotinas em que se compartimentaliza a aprendizagem das crianças.
De Coimbra para o Jamor, depois Fukuoka e Doha, a história de Diogo já vai sendo sabida e quem a desconhece em breve tomará conta do percurso do miúdo, porque ele ainda o é, que colocou um país a falar de natação: em 2023 voltou com uma medalha de prata nos 50 metros mariposa dos Mundiais do Japão e agora, seis meses volvidos, dormiu com duas de ouro debaixo da almofada, literalmente, na última noite passada no Catar, onde se tornou bicampeão mundial nos 50 e 100 metros da vertente que nós, portugueses, nem traduzimos à letra a partir do que em inglês é butterfly e preferimos chamar mariposa em vez do que seria mais usual na lógica.
Mas o que se já se vê é o efeito borboleta de uma história formidável, a exibir a magnificência das consequências que um bater de asas pode ter no desenrolar da vida. Aos 4 anos, Diogo Ribeiro ficou sem o pai, desportista nato e andebolista da Académica, levado por um enfarte que o atingiu durante um jogo de futebol com os amigos, e a mãe acha que dele herdou “a garra e a competição”; apresentado às piscinas ainda um bebé, essa precocidade e a bonança dos genes fizeram-no crescer como um fenómeno que cortejava tempos olímpicos ainda imberbe; o Benfica reparou no fenómeno, os azares da vida também: em 2021, três dias após voltar prateado dos Mundiais júnior, um carro atropelou-o quando seguia de mota, acidente que lhe fatiou parte de um dedo indicador, fraturou um pé, deslocou um ombro e rasgou vários ligamentos do corpo que parou durante meses.
A estaticidade forçada foi um abre-olhos para Diogo, uma “chamada de atenção” para um puto reguila que sentiu a falta de casa quando se mudou para o Centro de Alto Rendimento do Jamor onde o treinador Alberto Silva, o biomecânico Samie Elias e o preparador físico Igor Silveira aguardavam, vindos do Brasil, por ele e outro grupo restrito de nadadores, contratados para lhes exaltarem as qualidades dentro da piscina. Guardador do maior dos potenciais, foram limando os dias de sol a sol de Diogo Ribeiro, apelando à cautela no trato dado de fora ao precoce recordista de marcas nacionais (já tem o dos 50 e 100 metros livres, além das mesmas distâncias na mariposa) que agora, inevitavelmente, atraiu sem freios possíveis. As águas das expectativas já desaguam descontroladamente à sua beira.
Esta segunda-feira, embrulhado na bandeira de Portugal e com as medalhas de ouro a reluzirem ao pescoço, Diogo Ribeiro aterrou em Lisboa, onde um cerco de jornalistas, microfones e câmaras o recebeu no Aeroporto Humberto Delgado. À quarta ou quinta pergunta surgiu a mais fácil de ser feita ao português que é fenomenal a nadar da forma mais difícil - “Já sonha com o ouro olímpico?”. E ele, rapaz de 19 anos e brinco na orelha, disse que sim, que não só o sonha mas que “começa a ser um objetivo”, com a cara mais natural do mundo enquanto escancarou o portão à invasão do que bem pode ser inevitável a qualquer desportista incrível enfrentar, embora devesse ser tratado com prudência.
Ainda Diogo não tinha regressado e falado e já tudo quanto é figura política lhe dera os parabéns, a deixa de um feito desportivo a ser logo apanhada, como de costume, por António Costa, Marcelo Rebelo de Sousa e Augusto Santos Silva, as três maiores figuras do Estado, e ainda por João Paulo Correia, o secretário da Juventude e do Desporto, duas áreas personificadas em pleno pelo nadador. Foi o secretário de Estado que acabou por ser o único a embarcar no comboio que carrega de imediato a psique de quem torce e de quem nada com o peso das expectativas, ao escrever: “Grandes perspetivas rumo a Paris 2024!”. A frase, assim como as insistentes questões sobre os Jogos Olímpicos, farão parte da vida do adolescente que, brade-se aos céus, parece ter já carapaça dura para lidar com essa pressão.
Antes de explicar, com calma, que se sente mais humilde a cada conquista e de defender a ética do trabalho, Diogo Ribeiro deixou no aeroporto o “não nos podemos precipitar” que deveria ser mantra na forma de Portugal, enquanto país, lidar com o desporto. Porque lida mal e intempestivamente. Daqui por uns meses estaremos a olhar para Paris e a ouvir gente a exigir medalhas em tudo, a criticar a falta de resultados e até ridicularizar atletas que fazem pela vida na nação onde nem há um Ministério do Desporto (houve entre 2000 e 2004) e as atenções afunilam, como sempre, para o futebol. Culpa de todos, governantes e jornalistas e público e instituições/clubes, que nos deixamos levar pela nata dos dias sem ir à ausência de profundidade com que o tema, fundamental para a saúde e bem-estar, é tratada por cá.
Depositar essa exigência em Diogo Ribeiro já tão cedo, quando ele nunca sequer participou em Jogos Olímpicos, é uma pressão desnecessária, mesmo que o próprio diga que nada supera a que deposita em si mesmo. A naturalidade ao revelá-lo, inusitada em tão tenra idade, foi a mesma com que arrebatou, a final dos 100 metros destes Mundiais, o ouro contra cinco de outros sete competidores donos de um melhor tempo na distância. A cautela nas precipitações sustenta-se, também, pela falta de muitos ‘animais’ das piscinas na mariposa que não estiveram na prova, como Caeleb Dressel, recordista mundial.
Diogo Ribeiro já vai fazendo o mais difícil depois de dificultar a própria vida ao escolher a forma de nadar mais tramada, o mínimo seria devolver-lhe a gentileza da contenção no exacerbar de expectativas. Que o efeito borboleta dos seus logros seja esse, ele e a natação agradeciam, porque, apesar da tímida atenção que merece em Portugal, é, a seguir ao futebol, a modalidade que seduz o maior número de praticantes federados: eram 103.494 em 2022/23, segundo a Federação Portuguesa de Natação. Daqui por uns tempos, poderemos estar a falar de muitos mais.
O que se passou
Zona Mista
Gosto que as pessoas digam cada vez mais que sou um ídolo, gosto que me vejam a nadar e apoiem nas provas, mas não me cabe na cabeça. Neste momento, tenho medalhas de ouro num Campeonato do Mundo, mas para mim é como se fosse a medalha de ouro de um [campeonato] regional.
Algumas das palavras de Diogo Ribeiro, à chegada ao Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa.
O que vem aí
Segunda-feira, 19
🏄 Antes do circuito mundial de surf desembarcar em Portugal, no início de março, a segunda etapa da competição já vai acontecendo na praia de Sunset, no Havai, onde está Frederico Morais, o único português entre a elite (Sport TV). O período de espera da prova vai até quinta-feira.
🎾 Arranca o torneio ATP 500 do Rio de Janeiro (19h30, Sport TV2).
⚽ A 22.ª jornada da I Liga fecha com o Moreirense-Sporting (20h15, Sport TV1).
Terça-feira, 20
🏖️ A seleção nacional joga contra Omã na 3.ª jornada da primeira fase do Mundial de futebol de praia (14h, Canal 11). Precisa de ganhar para continuar em prova.
🎾 ATP 500 do Rio de Janeiro (19h30, Sport TV2).
⚽ Mais uma saudosa semana de regresso da Liga dos Campeões para vermos os restantes jogos da 1.ª mão dos oitavos de final: o PSV recebe o Borussia Dortmund (20h, Eleven Sports2) e, à mesma hora, o Inter arma-se em anfitrião do Atlético de Madrid (Eleven Sports1).
Quarta-feira, 21
🎾 ATP 500 do Rio de Janeiro (19h30, Sport TV2).
⚽ É dia para o FC Porto, único clube português que resta na Champions, receber o Arsenal (20h, TVI), no Dragão, enquanto o Nápoles jogar contra o Barcelona no Estádio Diego Armando Maradona (Eleven Sports2).
Quinta-feira, 22
🎾 ATP 500 do Rio de Janeiro (19h30, Sport TV2).
⚽ Vez da Liga Europa e com três equipas cá do burgo em campo: o Benfica vai a Toulouse (17h45, SIC) com o 2-1 da 1.ª mão do play-off à hora a que o SC Braga estiver em Baku, no Azerbaijão (Sport TV2), a tentar virar a derrota por 2-4 vista no Minho; e o Sporting recebe o Young Boys (20h, Sport TV1) com o conforto da vitória por 1-3 conseguida na Suíça.
Sexta-feira, 23
🎾 ATP 500 do Rio de Janeiro (19h30, Sport TV2).
⚽ Começa a 23.ª jornada da I Liga com um Arouca-Famalicão (20h15, Sport TV1).
Sábado, 24
🎾 ATP 500 do Rio de Janeiro (19h30, Sport TV2).
⚽ Chega o fim de semana, eis a fartura de futebol: na Premier League, o Fulham de Marco Silva e João Palhinha visita o Manchester United de Bruno Fernandes e Diogo Dalot (15h, Eleven Sports1) e o Arsenal recebe o Newcastle (20h, Eleven Sports1); na I Liga portuguesa, há o Farense-Moreirense (15h30, Sport TV1), o Estrela da Amadora-Desportivo de Chaves (18h, Sport TV1) e o Vitória-Casa Pia (20h30, Sport TV1).
Domingo, 25
🎾 ATP 500 do Rio de Janeiro (19h30, Sport TV2).
⚽ Na Taça da Liga inglesa há partida das grandes entre o Chelsea e o Liverpool (15h, Sport TV2) e na I Liga o trio de clubes mais falado joga: depois do Vizela-Estoril Praia (15h30, Sport TV1), haverá um Benfica-Portimonense (18h, BTV) e um Gil Vicente-FC Porto (18h, Sport TV2) em simultâneo procedido do Rio Ave-Sporting (20h30, Sport TV1). Na Série A italiana, o AC Milan de Rafael Leão recebe a Atalanta (19h45, Sport TV3), encontro que promete.
Hoje deu-nos para isto
A fama de clube eucalipto na Alemanha, sugando metaforicamente a água à flora circundante, assentou ao Bayern neste século. Sediado na rica Munique, maior cidade da mais rica região do país, os bávaros viam um jogador a atazanar a vida a eles e a outros adversários por uma outra equipa e toca a comprá-lo, vejam-se os casos ‘antigos’ de Michael Ballack, Zé Roberto ou Claudio Pizzaro, o dos mais contemporâneos Lukas Podolski e Miroslav Klose, ou dos recentes Mario Götze, Robert Lewandowski e Dayot Upamecano para soprar o pó às memórias de como o Bayern foi secando os rivais diretos enquanto adubou as suas próprias terras.
Perspicaz e opulento, o Bayern de Munique conquistou, em parte devido a essa estratégia, as últimas 11 edições da Bundesliga, um campeonato emotivo e competitivo dos bávaros para baixo pelos estádios constantemente à pinha, os bilhetes com preços acessíveis a todos os bolsos e o ‘50+1’, regra que obriga os sócios a serem donos dos clubes. A vulgarização dessa prevalência sempre da mesma equipa parece, cada vez mais, estar a ser arrancada da liga germânica pela implosão do eucaliptal.
O Bayern foi a Bochum perder, no domingo, com Harry Kane, Manuel Neuer, Leroy Sané, Joshua Kimmich, Jamal Musiala ou Thomas Müller, este último bávaro de gema que espumou de estupefação há uma semana, quando a equipa fora terraplanada pelo Bayer Leverkusen que agora ficou com oito pontos de vantagem na liderança. Uma das raízes impregnadas no balneário, Müller queixou-se da falta de alma e liberdade dos jogadores em campo, presos por algemas invisíveis e a demonstrarem uma rigidez de processos bastante vislumbráveis. A terceira derrota seguida (no meio, houve outra contra a Lazio, na Champions) é um trauma que golpeia a temporada do clube desabituado a ter de lidar com engasganços destes.
Quem beneficia, no imediato, é o Bayer do carismático Xabi Alonso, espanhol que pensava o jogo das equipas com os seus teleguiados passes longos e vai matutando um dos mais entusiasmantes projetos na Europa. A curto e médio prazo, uma descida do Bayern à terra constitui uma aberta, mesmo que mínima, para outros clubes como o RB Leipzig, o Borussia Dortmund ou o surpreendente Estugarda (3.º do campeonato) fatiarem umas tesouradas nas raízes do clube mais dominador da Alemanha.
Os principais beneficiários serão esses fiéis perseguidores, mas o maior seria a Bundesliga se uma pitada de imprevisibilidade fosse polvilhada no campeonato - aliciaria adeptos estrangeiros, talvez a receita com direitos televisivos crescesse e a diferença para a gargantuesca Premier League também diminuísse. É esse o mais cavado dos fossos no futebol europeu: o produto de TV que é o principal campeonato inglês representa, sozinho, mais de metade (€3 mil milhões) do valor que as outras 54 maiores ligas europeias têm juntas (€5 mil milhões).
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