Bastante alta, com estilo de corrida elegantemente mecânico e sem que a bola importune, por um segundo, toda uma postura atlética, Salma Paralluelo esteve até há um ano envolta em malabarismos mentais para lidar com uma dúvida - futebol ou atletismo, para qual modalidade haveria de optar por canalizar o seu generoso talento?
A bola que tanto sussurra aos ouvidos de quem se deixa encantar por ela levaria a melhor, mas sem apagar um registo a cortejar o fabuloso: no escalão sub-18, Salma Paralluelo chegou a ser dona da melhor marca de Espanha nos 400 metros barreiras (em 2020) e antes, no raiar da adolescência, foi campeã nacional dos 300 metros com e sem barreiras, aos 13 anos.
Com 14, tão imberbe, já se entretinha também com a bola e a sua aptidão não era forreta com nenhuma das suas paixões. Com essa idade foi convocada para os Europeus e Mundiais de sub-17, conquistando ambos com a seleção espanhola. Não havia como forçá-la a optar. Em 2019, quando o Villarreal a contratou ao Prainsa Zaragoza, da cidade onde nasceu, impôs a condição de que a deixassem continuar a dividir-se entre a bola e o atletismo e a trabalhar na companhia de Félix Laguna, o treinador que ainda hoje, com ela no Barcelona, a acompanha à distância, conta o “El País”.
Em 2021, só a sina azarada das mazelas a impediu de ir correr aos Jogos Olímpicos, uma maldita rutura de ligamentos num joelho a deixá-la longe de Tóquio. Quando a recuperação no futebol, mais rápida e fácil, se esgueirou na frente das pinças que o atletismo exige mais ao físico e, com a exigência e a demora, Salma viu adversárias que antes ficavam entupidas pelo seu pó a ganharem-lhe sem dó, teve que fazer a escolha. O seu tempo iria todo para o futebol.
Mas “se tomasse cinco para os dois próximos ciclos olímpicos”, o seu treinador está “convencido de que poderia lutar por medalhas e depois, com 24 ou 25 anos, ainda teria tempo para explorar a sua carreira como futebolista”. Agora, que ainda só tem 19, é a jogadora que marcou o golo responsável por Espanha ir jogar as meias-finais do Campeonato do Mundo.
Já no prolongamento do árduo jogo contra os Países Baixos, lá foi Salma Paralluelo a correr pelo flanco esquerdo, levando a bola e com ela encarando uma adversária já na área, para a tirar do caminho e rematar com o fino pé esquerdo que tem jogado com lugar cativo na fragmentada seleção de Espanha, onde jogadoras que não morrem de amores entre elas e com o treinador têm engolido em seco em prol do objetivo maior que já as tem entre as quatro melhores equipas do Mundial.
A seleção do questionado Jorge Vilda, contra quem 15 jogadoras renunciaram à seleção, o ano passado, em protesto face aos métodos do treinador, o clima que nutria na equipa e o impacto que a sua atuação tinha na saúde mental das futebolistas. Salma Paralluelo não era uma delas - do grupo que criticou publicamente o técnico, só três regressaram para o Mundial -, mas, enquanto as feridas são visíveis a olho nu e se nota como as mulheres que jogam por Espanha são algo avessas a mostras de convívio com o selecionador, uma atleta virada futebolista prolongou a vida espanhola no maior dos torneios.
Às espanholas espera-lhes o vencedor da partida entre Japão e Suécia.