Mundial Feminino 2023

“Não me demito sem haver motivo”. Na conferência da Zâmbia, o selecionador, acusado de assédio sexual a jogadoras, preferiu o silêncio

Bruce Mwape está a ser investigado pela polícia zambiana e pela FIFA devido a más práticas sexuais, numa seleção que também lida com meses de pagamentos em atraso e ausências pouco claras de futebolistas. Mas a conferência de imprensa anterior ao encontro contra Espanha foi marcada pela escassa clareza a responder às questões sobre o tema, com a FIFA a proibir perguntas e o técnico a dizer que as interrogações dos jornalistas se deviam a “rumores”

Hagen Hopkins - FIFA/Getty

O selecionador da Zâmbia desde 2018, Bruce Mwape, está a ser investigado devido a más práticas sexuais, nomeadamente assédio a jogadoras. Em setembro de 2022, a federação de futebol do país africano confirmou que entregara o tema à polícia zambiana e à FIFA, acrescentando que o técnico desmentia qualquer alegação.

Segundo o “The Guardian”, também o selecionador sub-17, Kaluba Kangwa, está, alegadamente, envolvido em acusações de más condutas. Uma jogadora, que não quis ser mencionada, disse ao mesmo jornal britânico que “se ele [Mwape] quisesse dormir com alguém, terias de aceitar”, revelando ser “normal” que o técnico “dormisse com jogadoras”.

Uma das oito estreantes no Mundial — juntamente com Portugal, Haiti, Marrocos, Panamá, Filipinas, Irlanda e Vietname —, a participação da Zâmbia está, naturalmente, a ter esta questão como central. Depois da derrota (5-0) no encontro inaugural, contra o Japão, a equipa africana defrontará, na segunda jornada, Espanha, no Eden Park de Auckland.

Na conferência de imprensa de antevisão do embate não havia qualquer jornalista zambiano, mas o tema foi diversas vezes referido pelos vários jornalistas espanhóis presentes. No entanto, a reação às perguntas foi entre o silêncio e frases pouco claras, não se escondendo o incómodo na FIFA e nos responsáveis da federação da Zâmbia pela situação.

A primeira questão que foi feita — “Que imagem acredita que o seu país projeta para o mundo tendo em conta estas investigações?" — mostrou logo qual seria a postura oficial: a assessora da FIFA pediu que ”se restringissem as perguntas ao futebol".

Logo a seguir, Barbra Banda, a capitã de equipa, foi interrogada sobre o ambiente em redor da seleção. A futebolista fugiu à questão, falando sobre as colegas que não estão aqui “por lesão” — o que também tem polémica, mas já lá vamos.

A terceira pergunta foi a única em que Bruce Mwape falou. Questionado sobre se “não pensou afastar-se para que a Zâmbia estivesse no Mundial sem ruído”, o técnico demora a responder. Todos os seus gestos são lentos, quase em câmara lenta, e fala, também, como se as palavras lhe custassem a sair.

"Gostaria de saber sobre o que vocês falam. Não posso demitir-me sem haver um motivo. Talvez a vossa razão é pelo que leem pela imprensa, mas a verdade virá ao de cima, não só devido a rumores ou à imprensa”, foi o comentário de Mwape.

Finalmente, uma questão foi lançada para a capitã, sobre se as jogadoras pensaram unir-se a outras colegas da seleção que protestaram contra a federação — segundo o “The Guardian”, a maioria da equipa que esteve nos Jogos Olímpicos de Tóquio ainda não foi paga. Desta feita, foi o próprio assessor de imprensa da federação da Zâmbia a dizer que Barbra Banda não iria responder.

Em seguida, a assessora da FIFA disse que iríamos para a última questão, que não foi relacionada com o tema principal. Vários jornalistas, incluindo o enviado da Tribuna Expresso, ficaram de braço no ar, sem direito a pergunta.

Catherine Ivill/Getty

Tanto o “The Guardian” como a “Associated Press” noticiaram que houve jogadoras que foram ameaçadas por responsáveis da federação com sanções caso falassem contra o selecionador, particularmente devido aos bons resultados que a Zâmbia vem tendo. Com Mwape, a equipa qualificou-se, pela primeira vez, para um Mundial, para uns Jogos Olímpicos e foi terceira na CAN 2022, quando nunca passara da fase de grupos da máxima competição continental.

A investigação foi passada para a FIFA para garantir que “era imparcial”, disse a federação zambiana.

Falta de pagamentos, protestos e ausências do Mundial

Os alegados pagamentos em atraso incluem 100 dias de treino desde os Jogos de Tóquio, bem como 40 dias na última edição da CAN. O ambiente em torno da seleção não é muito claro e transparente, mas a “Associated Press” noticiou que, dois dias antes de um amigável contra a Alemanha antes do Mundial, as jogadoras recusaram-se a treinar em protesto.

Grace Chanda, uma das futebolistas que, antes do torneio na Austrália e na Nova Zelândia, se queixou dos problemas na federação, não está no Mundial, sendo o motivo oficial uma “doença”. No entanto, as suspeitas sobre a verdadeira causa da baixa de Chanda agravaram-se quando Hazel Nali, também fora da competição por lesão, disse que o verdadeiro motivo para não estar na Oceânia foi ter protestado contra a falta de condições em torno da seleção da Zâmbia.

A primeira vez do país no maior palco de todos está longe de ser uma ocasião de celebração, estando cheia de silêncios comprometedoras, questões não respondidas, frases pouco claras. As reações de quem se sentou na mesa da conferência de imprensa — selecionador, capitã, assessora da FIFA e da federação — iam desde a ensaiada recusa da responsável da FIFA em permitir perguntas sobre o tema mais importante ao quase desdém do técnico que é acusado de assédio sexual.

O final abrupto da conferência de imprensa, bem diferente do que é normal nestes momentos no Mundial, culminou a cena. Durante o resto da competição, o que as jogadoras da Zâmbia fizeram dentro do campo continuará a não ser a história principal em redor da equipa.