Portugal venceu na terça-feira frente à Suíça, e é já este sábado que volta aos estádios do Catar para defrontar Marrocos, seleção que bateu Espanha nos penáltis. O caminho até à final faz-se traçando linhas imaginárias com a bola. A seleção portuguesa tem-nas traçado há quase 101 anos.
Foi com a equipa espanhola que Portugal se estreou no tango do futebol internacional a 18 de dezembro de 1921. Não é centenário - esse foi o ano passado - mas é no mesmo dia, em 2022, que se decide o novo campeão do mundo. Os oitavos de final abriram a contagem decrescente para o dia de todas as decisões. A seleção portuguesa já está nos quartos, mas até ao último juízo faltam oito dias, quatro jogos.
A primeira seleção de sempre
Foi a Federação Portuguesa de Futebol (FPF), na altura União Portuguesa de Futebol (UPF), que organizou a deslocação que levou o plantel português à capital espanhola. A acompanhar a equipa, ia o jornalista desportivo Salazar Carreira que, telegrafando de volta para o país da ponta ibérica, escrevia a reportagem da viagem. A 15 de dezembro de 1921, entre estrangeirismos, o jornal “A Capital” noticiava: “Partiram hontem da gare do Rocio os “players” portugueses, que vao defender as nossas cores, no “match” peninsular de “foot-ball””
As nossas cores ainda não se haviam oficializado, o equipamento que entraria no relvado madrileno vinha a empréstimo do Casa Pia. Assim, de camisola preta e quinas no mesmo lugar onde sobressalta o coração, entrou em campo um plantel escolhido a seis dedos - não fosse esta uma seleção orquestrada por esse mesmo número de treinadores que compunham a Associação de Futebol de Lisboa (AFL).
Naquela que foi a sua primeira participação num jogo internacional, a seleção portuguesa estreou-se também na polémica, segundo escreveu o Diário de Notícias (DN). Mas entre baixas no onze e a demissão do treinador Augusto Sabbo, oficializou-se a convocatória. Os seis da AFL - Carlos Vilar, Pedro Del Negro, Reis Gonçalves, Virgílio Paula, Plácido Duro e Júlio de Araújo - construíram, então, o primeiro onze inicial de sempre.
Na baliza estava Carlos Guimarães do CIF (Clube Internacional de Foot-Ball), primeiro guardião nacional, protegido por dois defesas de nome António: Pinho e Augusto Lopes, ambos casapianos. De braçadeira no braço, Cândido de Oliveira foi o capitão escolhido para liderar a equipa. Foi fundador do jornal “A Bola” e eternizou-se dando nome ao confronto anual que serve, no início do mês Agosto, para abrir o primeiro semestre da I Liga Portuguesa: a Supertaça. Mas o seu eco vai além do futebol. Cândido de Oliveira foi preso político no campo de concentração do Tarrafal, levado pela PIDE em 1942, ano em que imperava o Salazarismo.
Rematando de novo para o plantel, a equipa das quinas de 1921 foi composta ainda por José Maria Gralha - até hoje, o jogador mais jovem a integrar, aos 16 anos, a equipa nacional - também ao serviço do Casa Pia. Do Futebol Clube do Porto, jogava Artur Augusto. Do rival Sport Lisboa e Benfica, Ribeiro dos Reis, Vítor Gonçalves e Alberto Augusto. Já do Sporting Clube de Portugal, integrou Jorge Vieira e João Francisco Maia, que viria a ser decisivo num jogo quatro anos depois, em 1925, no Estádio do Lumiar frente a Itália.
“Todas as atenções do nosso meio desportivo convergem neste momento, para o jogo de amanhã em Madrid, o primeiro desafio entre nações em que Portugal é oficialmente representado. Pelas demografias de união portugueza da amanhã o nosso “foot-ball” mais um grande passo, iniciando os seus jogos internacionais representativos. É por isso grande a emoção com que é esperado o desfecho, como grande é a responsabilidade que pesa sobre o nosso grupo. Novamente fazendo votos para que o resultado seja favorável das nossas cores”. Lia-se, na véspera do jogo, no jornal “A Capital”.
O apito inicial foi dado pelo belga Barrette Cazelle, que arbitrou a partida. Noventa minutos passaram, e o desejo de quem ansiava em terras lusitanas não se veio a concretizar. A 18 de dezembro de 1921, no campo Martínez Campos do clube já dissolvido Racing de Madrid, Portugal viria a perder três bolas a uma (3-1). Segundo escrevia ”A Capital”, numa “assistência bastante numerosa” de 12 mil pessoas, “Ninguem, que esteja ao facto do movimento sportivo, calculava que o nosso ”team” pudesse triungar, e vemos com jubilo, que a derrota foi honrosa, atendendo à grande classe dos espanhois”. O único golo português nasceu de uma grande penalidade, marcada por Alfredo Augusto depois de uma falta sobre o irmão, Artur, num frente-a-frente com “El Divino”, Ricardo Zamora, que viria a batizar o troféu de melhor guarda-redes da Liga Espanhola. Mas o consolo, esse serviu-se num banquete oferecido pela Federação Espanhola de Futebol.
Cem anos mais um depois, no dia 18 de dezembro de 2022, duas equipas defrontam-se no Lusail Stadium (Estádio Nacional de Lusail, em português) para disputar a final do mundial de futebol. Se Portugal é uma dessas equipas ou não, fica a dúvida. Por hoje, precisa de vencer o tira teimas frente à seleção marroquina, que começa às 15h00 (SIC).