Há poucas modalidades no mundo tão imprevisíveis como o futebol. Em 90 minutos, no caos do jogo, aquele que é teoricamente mais forte em 364 dias do ano pode não sê-lo no último dia que resta - e é assim que as surpresas acontecem. É neste contexto que surge a figura do treinador: é ele quem, como líder de uma equipa, tem a responsabilidade máxima de, pelo menos, ter um plano (coletivo) para tentar diminuir aquele lado caótico do jogo, aumentando o controlo da equipa sobre o mesmo e, por consequência, as suas possibilidades de almejar o sucesso.
Akira Nishino tinha um plano.
E um dos bons, pensava ele: "Já estivemos nos oitavos-de-final de um Mundial por duas vezes, mas, desta vez, é diferente, porque não estamos exaustos como nas provas anteriores e ainda podemos criar uma nova oportunidade. Contra a Turquia, em 2002, e contra o Paraguai, em 2010, perdemos e os nossos jogadores estavam exaustos, não lhes restavam forças, já tinham dado tudo na fase de grupos. Desta vez, fomos muito mais cautelosos na nossa abordagem. Escolhemos poupar a nossa energia nos últimos minutos contra a Polónia, para podermos dar um extra frente à Bélgica."
Parece um bom plano, certo? Certo. E melhor ainda pareceu quando, aos 68 minutos, o Japão vencia a Bélgica por 2-0 - e jogava o suficiente para merecê-lo, se é que se pode falar de justiça no futebol.
Mas, aos 90+5' de jogo, quando o árbitro senegalês Malang Diedhiou apitou, Akira Nishino permaneceu imóvel. Em pé, em frente ao banco japonês, com as mãos nas ancas, olhava para o relvado, com a boca meio entreaberta, e não via nada. Ou melhor, não queria ver o que tinha acabado de acontecer: depois de estar em desvantagem, por 0-2, a Bélgica virou um jogo que pareceu irremediavelmente perdido, fechando a reviravolta no marcador com um golo no último minuto dos descontos, minuto esse em que o Japão é que ia marcando o 3-2.
Sim, o livre ainda era bem longe da baliza de Courtois, mas, como costumávamos ver no "Oliver e Benji", isso não é problema para um jogador japonês: Honda bateu a bola com tal combinação de força e leveza que ela levava o rumo correto... não tivesse aparecido Courtois a voar e a impedir o golo (e a fazer esquecer uma jogada inofensiva na 1ª parte, em que ia deixando a bola escapar entre as pernas para a baliza).
A bola desviada pelo guarda-redes do Chelsea foi para canto e, naquela que parecia ser a última jogada do jogo, a bola foi cruzada para a área... e Courtois segurou-a. Segurou a bola, mas não quis segurar o resultado. Olhou em frente, viu que havia potencial para algo mais e aqui vai disto: De Bruyne recebeu a bola, conduziu-a por ali fora, atraiu os defesas japoneses, soltou na direita, para Meunier, e o lateral cruzou para a área, onde Lukaku abriu as pernas e deixou passar o golo para os pés de Chadli, que tinha entrado na 2ª parte e que garantia então a presença da Bélgica nos quartos-de-final do Mundial, para jogar contra o Brasil.
Ufa.
Foram uns últimos minutos de loucos numa 2ª parte que já tinha ingredientes suficientes para animar qualquer adepto, torcesse ele pelo Japão, pela Bélgica ou apenas pelo caos.
A verdade é que tanto na 1ª como na 2ª partes, ainda que a Bélgica tenha tido bem mais domínio e bem mais bola, isso não lhe serviu de muito (nem à Espanha contra à Rússia, quanto mais...). Os japoneses tinham um plano e mantiveram-se sempre fiéis a ele: organizados, solidários e atrevidos, anularam na perfeição os jogadores mais talentosos da Bélgica - nem De Bruyne nem Hazard se destacaram por aí além - e saíram para o ataque quase sempre criando perigo.
E aproveitando as fraquezas alheias: como aquele corredor esquerdo da Bélgica, onde Carrasco (o lateral adaptado no 3-4-2-1 belga) tem bem mais apetência ofensiva do que defensiva e, por vezes, demora a ir ajudar o central daquele lado, Vertonghen - algo que já tínhamos visto nos jogos contra a Tunísia e contra o Panamá, por exemplo.
Foi por ali que, logo no início da 2ª parte, o Japão fez o 1-0. A Bélgica perdeu a bola pelo corredor direito do ataque, numa troca entre Meunier e Mertens, e os japoneses rapidamente aceleraram pelo corredor contrário. Shibasaki (grande exibição) fez um passe perfeito para a rutura de Haraguchi, que aproveitou o falhanço de Vertonghen na interceção para ficar sozinho em frente a Courtois.
O número 8 japonês ainda hesitou, parecendo que nem estava bem a acreditar que estava ali, naquele lugar, naquele momento, prestes a fazer o 1-0, mas lá decidiu rematar... e marcou.
E foi aí que o jogo acelerou. Logo no minuto seguinte, a Bélgica respondeu: remate de Hazard ao poste. Não marcou... e voltou a sofrer. Depois de uma grande receção de Kagawa, o médio do Dortmund ofereceu a bola a Inui, que fez o 2-0 com um remate de longe.
Tudo corria bem ao Japão e tudo corria mal à Bélgica - e eu confesso que já pensava assim: "São os belgas: jogam como nunca, perdem como sempre".
Ou então não.
Roberto Martinez passou então ao plano B: pôs em campo o gigante Fellaini, quase junto a Lukaku, e aqui vai disto para a área. Os japoneses foram vendo a bola ficar mais perto da própria baliza - ainda que continuassem a sair com qualidade para o ataque - e, num canto, sofreram num dos seus pontos fracos: o jogo aéreo. Ainda que nem pudessem ter feito muito para evitá-lo. A bola até já tinha sido despachada por Inui, mas continuou na área, bem lá no alto, descaída para a esquerda. Vertonghen apareceu, numa posição quase sem ângulo para a baliza, e quis cabecear a bola para um colega no meio, mas o chapéu foi tão bem feito que acabou por passar por cima do guarda-redes Kawashima, aos 69 minutos.
Aí, os belgas acreditaram que era muito possível: cinco minutos depois, De Bruyne quase marcava, com um remate de longe, mas Shoji salvou - só que cortou a bola para canto. E, num canto... Hazard cruzou e aquele trapalhão gigante chamado Fellaini meteu a cabeça no sítio certo para fazer o 2-2.
Havia empate, mas ninguém pensava em prolongamento: Lukaku quase fazia o 3-2 e Witsel quase fazia o 2-3, na própria baliza.
E, depois, aconteceram os tais últimos minutos de loucos.
Às vezes, não há plano que aguente. É assim o futebol.