Nos dias que antecederam este jogo imprevisto e naturalmente imprevisível recuperaram-se os argumentos clássicos dos outsiders: são normalmente mais novos e têm menos dinheiro, além, claro, de não terem também o CV dos favoritos, embora no caso do Ajax a coisa seja ligeiramente diferente. Mas estão a perceber onde queremos chegar, não é?, porque o que realmente interessa agora é o dinheiro e não o nome.
Facto 1: a média de idade dos Tottenham é pouco mais de 27 anos e a do Ajax é de 24.
Facto 2: o Tottenham não compra jogadores há dois anos, pois está endividado até ao teto por culpa do novo estádio e o Ajax gastou €50 milhões e ganhou €17,5 em contratações esta época.
Em ambos os itens, os valores andam abaixo da generalidade dos semifinalistas habituais da Liga dos Campeões.
Depois, lembrámo-nos que tal como a equipa holandesa, o Tottenham tem uma base segura judaica de adeptos, uma dupla novidade interessante, quase política, se soubermos um bocadinho de história e estivermos a par dos populismos que por aí andam.
E, finalmente, para o que nos trouxe aqui: uma promessa de um grande jogo de bola entre equipas que não defendem a todo o custo, preferem uma pressão alta, uma definição rápida - e gostam do golo. A pergunta é quem o faria melhor desde o início e a resposta foi: Ajax, porque o Tottenham nunca pareceu confortável a jogar com três centrais e dois laterais subidos, empurrado para trás pelo arranque poderoso e elegante (se é que se pode ser ambas as coisas) dos rapazes de Ten Hag. Que retiram, diga-se, um gozo especial quando enfrentam corajosamente os adversários mais experientes e batidos, olhos nos olhos no terreno deles, especialmente no terreno deles. E houve momentos de intenso domínio, dos quais nasceu o golo de Donny van de Beek, isolado pelo colorido Zyech na cara de Lloris.
Aos 15 minutos, o Ajax já justificava a vantagem no marcador que só não ficou maior, minutos depois, porque Lloris defendeu o remate do diligente van de Beek. O Ajax, com constantes trocas posicionais e passes curtos e longos, liderado pelo extraordinário Frenkie de Jong, impondo-se quase sempre a quem levava a bola do lado contrário, foi perigoso seguindo romanticamente os preceitos de tempos antigos.
Depois, veio a lesão problemática de Vertonghen e a entrada de Moussa Sissoko, que implicou uma mudança tática que já estava a ser ensaiada: Pochettino mudou da defesa a três para a quatro. Curiosamente, ou não, o Tottenham cresceu em campo e a diferença na posse de bola, que chegou a estar 70%-30%, encolheu para valores mais razoáveis (60%-40%), apesar de os londrinos só se chegarem a Onana em livres, cantos ou contra-ataques nem sempre bem concluídos.
Na segunda-parte, o Tottenham equilibrou-se, equilibrou o jogo e Dele Alli apareceu, enfim, com duas jogadas relativamente perigosas. É possível que a conversa no balneário tenha acendido o fogo dentro dos futebolistas da casa, pois os níveis de agressividade subiram dramaticamente, o que provocou erros e alguns desacertos no passe dos holandeses, mas aquela verdadeira oportunidade nunca surgiu - estivesse Harry Kane saudável e não nas bancadas, admite-se que o resultado fosse outro. Assim, com o evoluído mas lento Llorente, e com bolas batidas para incomodar o Onana, os ingleses foram perdendo momentum e acabou por ser do Ajax o simbólico remate ao ferro, por David Neres, a travar a marcha.
A partir de então, os miúdos de ten Hag voltaram a assumir o controlo das operações e levaram o 1-0 para Amesterdão e, quem sabe, para Madrid.