Ou porque o governo aprovou uma lei que taxa as saídas à rua. Ou porque o frio, convenientemente, congelou as estradas que naquele dia seria preciso usar. Ou porque foi marcada uma manifestação na praça mais próxima que merece o empenho cívico de toda a população. Ou porque a praia começou a ter presenças obrigatórias que equivalem a uma nota no cadastro. A originalidade nas desculpas é uma valência com que todos nascem.
Teresa Perales carece de tal vitamina. Ou então chamemos-lhe resiliente, talvez seja mais rigoroso. A unidade de tempo vida não é suficiente para que muitos adquiram conhecimento suficiente sobre como resistir entre os embalos da água. Não porque quisesse, mas porque foi forçada a isso, a espanhola teve que o aprender a fazer de três maneiras diferentes. Primeiro, quando era uma jovem, na plenitude das suas capacidades físicas. A partir dos 19 anos, reinventou-se para continuar a ser um torpedo, mas com neuropatia, doença que a deixou numa cadeira de rodas. Mais tarde, em abril de 2023, adaptou a técnica à incapacidade de remar com o braço esquerdo.
Nos Jogos Paralímpicos 2024, Teresa Perales conquistou a 28.ª medalha na natação, igualando o registo de Michael Phelps. O registo chegou com o terceiro lugar nos 50m costas (categoria S2) e respetivo bronze na capital francesa. Passaram 24 anos desde que esteve pela primeira vez no pódio, em Sydney. Resta-lhe ainda uma oportunidade de se destacar da estrela norte-americana. Esta terça-feira, a atleta natural de Saragoça volta a entrar na água para nadar na final dos 100m livres (categoria S3).
Com 48 anos, Perales sagrou-se campeão olímpica em Atenas (100m livres - S5; 50m mariposa - S5), Pequim (50m livres - S5; 200m livres - S5; 100m livres - S5), Londres (100m livres - S5) e Rio de Janeiro (50m costas - S5). Nos Jogos Olímpicos de Tóquio não saboreou o ouro. Para alguém tão habituado a ter a sua pepita, isso foi um sinal de alerta, mas que estava longe de ser o fim. Três meses antes de competir no Japão, deslocou o ombro devido a um espasmo muscular. Aquilo que pensava ser uma falha que ficaria solucionada com uma operação tornou-se num defeito permanente. A partir daí, deixou de conseguir utilizar o braço esquerdo para nadar.
Limitada a apenas um membro superior, deixou de alinhar nas provas da categoria S5 para alinhar maioritariamente na categoria S2, ou seja, considerou-se que as limitações físicas de Perales são agora mais severas e têm um impacto superior na maneira como nada. “Ainda consigo ganhar a pessoas muito amadoras só com um braço”. Nesta declaração, ao portal “Relevo”, como em tantas outras intervenções, evidenciou o humor com que leva a vida. À base do sofrimento, porque as dores complicam-lhe cada vez mais a tarefa, continua a fazer excursões até às capas dos jornais em Espanha.
Teresa Perales igualou Phelps na mesma cidade onde foi pedida em casamento, o típico clichê da cidade do amor. Duas décadas depois, voltou a Paris para fazer história, história essa que é só sua. O “El País” perguntou a alguém que não anda desde os 19 anos se, quando sonhava, ainda imaginava que as pernas conseguiam suportar o peso do seu corpo. “Já não. Sonho mais que nado”, respondeu. Não faz mal, há outras formas de chegar à glória e ela encontrou a sua.