Enquanto este teclado vai estalando para escrever este artigo, 140 mil pessoas estão a assistir ao vivo ao Paquistão-Índia para o Mundial de críquete, no Narendra Modi Stadium. A beleza desta modalidade, que provavelmente escapa à maioria dos portugueses, é um fenómeno especial para aqueles lados, passando por Austrália, Nova Zelândia e África do Sul, mas também mais perto, nomeadamente na Inglaterra, onde tudo começou supostamente.
Nas últimas horas, o Comité Olímpico Internacional (COI) confirmou o regresso do críquete aos Jogos Olímpicos. Também o squash, beisebol, lacrosse e flag football, uma variante do futebol americano mas sem contacto, foram confirmados para os Jogos de Los Angeles em 2028.
Thomas Bach, o presidente do COI, fala numa situação “win-win”, ou seja, que agrada em todas as dimensões, trazendo outros atletas e comunidades para o evento desportivo mais especial do planeta. “Não foi preciso muito para convencê-lo [a Casey Wasserman, responsável pelo comité organizador dos JO 2028]”, confessou Bach. “Casey já tinha visto o grande potencial. [O críquete] é muito atrativo para LA e para o movimento olímpico.”
Falta agora só os votos dos membros do COI na segunda-feira, um mero protocolo, para ratificar estas integrações no programa olímpico. O formato da competição deverá ser, tanto para masculino como feminino, o T20, que é uma versão mais rápida do críquete internacional.
Segundo a página dos olympics.com, “em partidas que não são afetadas pela chuva, cada equipa rebate por 20 'overs' (120 bolas), o que dá origem ao nome Twenty20. As partidas duram cerca de três horas. O formato foi introduzido pela primeira vez em 2003” e os maiores especialistas desta outra camada do críquete são, segundo a mesma página, Afeganistão, Austrália, Bangladesh, Inglaterra, Índia, Irlanda, Nova Zelândia, Paquistão, África do Sul, Sri Lanka, Índias Ocidentais e Zimbábue.
O críquete só se misturou uma única vez com a fama planetária que permite uns Jogos Olímpicos, ainda que mais tarde, antes da cerimónia de abertura dos Jogos de Londres em 2012. Mas a sério, a sério, a valer o ouro olímpico (mais ou menos, como veremos em baixo), aconteceu em 1900, em Paris, quando até era suposto ter surgido em Atenas, em 1896, mas não foi possível montar uma competição decente. O torneio deveria ter sido disputado entre Grã-Bretanha, França, Holanda e Bélgica, mas os dois últimos cancelaram a participação depois de terem visto cair a sua candidatura para co-organizar os Jogos.
A final, ou a única partida, na verdade, que supostamente seria jogada à margem da Exposição Universal de Paris – a BBC diz que os jogadores nunca souberam que estavam a jogar nos JO –, acabou por ser disputada em contexto olímpico, no Vélodrome de Vincennes, perto de Paris, que era mais para ciclismo do que outra coisa qualquer, nos dias 19 e 20 de agosto.
Britânicos e franceses foram os protagonistas do que se chama hoje test-cricket, formato no qual cada equipa tem dois innings para rebater e dois innings em campo. Hoje, os jogos nesse formato estão programados para prolongar-se por quatro ou cinco dias, com partidas de até sete horas por dia. Calma, há intervalos para almoço e chá, pois claro.
Na altura, bastaram dois dias para as duas equipas, que na verdade não eram uma seleção nacional, resolverem a contenda. Os britânicos foram representados pelo clube Devon and Somerset Wanderers, que andava por França a demonstrar as virtudes do críquete, conta ainda o olympics.com. O convite foi aceite e assim se deu a primeira e única jogatana de críquete no maior evento do desporto mundial.
Do outro lado estava França. Ou mais ou menos. Está aqui cambalhota no guião desta história: os representantes dos franceses eram maioritariamente expatriados… britânicos e um combinado de jogadores de clubes do Albion and Standard Athletic, segundo o “The Guardian”. Portanto, a primeira final olímpica da história do críquete foi jogada com britânicos dos dois lados. Apenas dois atletas, dos 24 que entraram em campo pelos ‘franceses’, tinham jogado ao mais alto nível.
Sem surpresa, a Grã-Bretanha venceu o jogo, ainda que apenas o tenha resolvido a cinco minutos do fim do segundo dia. Foram 158 runs dos britânicos contra 104 dos rivais. Em destaque estiveram Charles Beachcroft, o capitão, e Alfred Bowerman.
Mas há mais uma inusitada maravilha desta história. Conta o mesmo site, e mais vale ir à fonte oficial, que os britânicos, os vencedores, receberam medalhas de prata, enquanto os segundos classificados receberam de bronze (esta situação seria corrigida passados uns anos). Igual para todos, foi a Torre Eiffel em miniatura que cada jogador recebeu.
Conclusão, os britânicos têm um título olímpico para defender, certo?
Voltemos a Bach e à explicação para esta escolha e regresso. “Vemos a crescente popularidade do críquete, particularmente no formato T20. É uma situação win-win”, admitiu. “Os Jogos Olímpicos vão dar ao críquete um palco global e a oportunidade para crescer para lá do críquete tradicional em certos países e regiões. Para o movimento olímpico, é uma oportunidade para engajar com comunidades de adeptos e de atletas com os quais tivemos pouco ou nenhum acesso.”