Futebol nacional

Luís Norton de Matos

O depoimento de Luís Norton de Matos, ex-futebolista e treinador do Avanca, de 67 anos, faz parte de um trabalho sobre ódio e insulto no futebol

Maja Hitij - FIFA

"Como jogador, nunca perdi o meu equilíbrio emocional. Aliás, os insultos que me dirigiam eram, muitas vezes, transformados numa motivação extra. Sinceramente nunca me tiraram o foco durante um jogo. Durante toda a minha carreira nunca fui expulso, só tive um cartão amarelo num jogo da Taça UEFA.

Como treinador já tive situações de descontrole. É preciso viver a situação de estar num banco, num espaço extremamente limitado e muitas vezes a muito pouca distância de um público que nos carrega de insultos, para perceber o quão difícil é manter uma postura de gelo, durante todo o jogo. Existem momentos de enorme pressão e basta uma pequena faísca para vomitar fogo. Mas nunca recebi uma advertência ou expulsão.

Porquê tantos insultos? O insulto normalmente é fruto da falta de autocontrolo. São explosões emocionais espontâneas,mas muitas vezes deliberadas, o que é mais grave porque isso implica um abuso moral sobre o ofendido. Os piores insultos não são necessariamente os verbais. A esses não se dá respostas e deixa-se aquele que insulta a falar sozinho. Esta resposta de silêncio é a pior agressão para quem insulta. Francamente corrosivos e que deixam marcas são outras ações insultuosas ligadas à premeditação.

O maior insulto que recebi como jogador foi uma crónica de um jornal, num Belenenses-Atlético, em que o jornalista insinuou que eu teria feito de propósito para falhar um golo. Foi um insulto à educação que recebi dos meus pais, aos princípios de verticalidade e fair-play que sempre me incutiram. Um soco no estômago, aos 23 anos de idade, para um jovem que adorava jogar futebol e apenas queria ser totalista em todos os jogos do seu Atlético.

Como treinador, o maior insulto que recebi foi o de um presidente de clube que instalou, sem meu conhecimento, um localizador sofisticado com áudio no automóvel que o clube pôs à minha disposição. Uma denuncia anónima levou-me a ir a uma oficina que comprovou a instalação do dito aparelho, que estava muito bem escondido. Digno de um filme do “007”. Só que o filme é ficção e no meu caso foi uma triste realidade. Ainda por cima vangloriava-se de saber os passos que eu dava. Um insulto criminoso, uma violação da minha liberdade.

Eu consegui adaptar-me a este mundo futebolístico sem sair da minha maneira de estar e pensar o futebol. Mas claramente a família é muito mais afectada pelos insultos que ouve nos estádios ou nas notícias mais depreciativas. O meu pai enervava-se muito quando ouvia insultos dirigidos a mim. A minha mulher chegou a ser enxovalhada e ameaçada de levar uma tareia por uma adepta completamente descontrolada à saída do estádio, após um jogo. Os meus filhos não gostavam e sentiam-se incomodados com os insultos no estádio.

O pior do insulto é a sua banalização e vulgaridade. As redes sociais vieram ampliar o leque de ruído dos insultos. Muitos deles, de forma cobarde, escondidos atrás do anonimato. É lixo. Porque na verdade saber insultar com elegância, inteligência e ironia é uma arte. Não está ao alcance de todos."