O contrato de comercialização dos direitos televisivos da Ligue 1 relativo ao período entre 2021 e 2024 estava próximo do fim quando Vincent Labrune lançou uma frase que viria a persegui-lo. O presidente da liga francesa disse que o objetivo era vender o pacote de transmissão do futebol gaulês por €1.000 milhões por temporada, uma subida significativa face ao acordo do triénio 2021-24, fixado em €741,5 milhões.
A meta soou, desde o primeiro momento, ambiciosa. Os problemas da Ligue 1 com os direitos televisivos não são novos e as mudanças recentes não faziam antever horizontes de maior prosperidade. No plano interno, vários estudos têm apontado a quebra do interesse do público francês na competição, enquanto, internacionalmente, as saídas do PSG de Messi e Neymar, em 2023, e de Mbappé, em 2024, foram um rude golpe no quão aliciante é a competição fora do hexágono.
Some-se a isto a pouca imprevisibilidade competitiva — o PSG ganhou 10 das últimas 12 edições da competição — e teríamos a receita perfeita para convidar ao conservadorismo na hora de fazer projeções quanto ao mercado da televisão. Não obstante, o líder da Ligue 1 quis manter um discurso audaz.
A ambição esbarrou com a realidade. O primeiro sinal que confirmou as suspeitas veio da Amazon, plataforma que transmitia jogos do campeonato francês no ciclo anterior e não quis entrar no negócio que englobará o período entre 2024 e 2029, um horizonte temporal mais alargado para ganhar estabilidade contratual.
O segundo sinal, o qual despertou definitivamente o alarme, veio do atraso no fecho das negociações. A época 2023/24 acabou e não havia luz verde. O verão foi avançando e também não havia sinais de avanços. Vários clubes foram manifestando a sua preocupação com o processo, desde logo porque dependem dos milhões que chegam da televisão para sobreviver — e evitar um destino à Bordéus.
O impasse só se resolveu a duas semanas do arranque da Ligue 1, cuja primeira jornada se disputou a 16 de agosto. Em plenos Jogos Olímpicos em solo gaulês, fechou-se um acordo que unia a liga francesa, a DAZN e a beIN Sports.
Assim, a DAZN paga €400 milhões para transmitir oito encontros por jornada, enquanto a beIN Sports desembolsa €100 milhões para garantir uma partida por ronda. Colocando neste bolo os direitos de transmissão internacionais e mais algumas variáveis, chega-se, segundo a France 24 e a Associated Press, aos €660 milhões por temporada, num acordo válido de 2024 a 2029. Trata-se de uma queda de 11% face ao anterior acordo e longe dos famosos €1.000 milhões por ano pretendidos pela liderança da liga.
Os protestos e a pirataria
Parece haver a ideia generalizada de que este negócio se tratou de um mal menor. “Tivemos de escolher entre a peste e a cólera”, disse um presidente de clube, que não se quis identificar, ao The Guardian, falando sobre a opção entre acordo concretizado e a hipótese de não vender os direitos de transmissão.
“Claro que não é o resultado que imaginávamos, mas permite-nos não comprometer o futuro”, comentou Jean-Pierre Caillot, presidente do Stade Reims.
Uma cláusula do acordo chama particularmente a atenção: segundo a France 2024, a DAZN pode rescindir o contrato se não atingir o milhão e meio de subscritores em França.
O novo panorama televisivo do futebol francês obrigará, também, a custos mais elevados para quem desejar assistir às partidas da Ligue 1. Ver todos os jogos significará pagar €44,99, valor que parte do público considera excessivo e que levou a que a mensagem #BoycottDAZN" se tornasse uma das mais partilhadas nas últimas semanas em França.
Também no negócio dos bares e restauração há ondas de choque. Até agora, esses espaços tinham de pagar €85 por mês para passarem os encontros, valor que subiu, agora, para €200. E, se um bar quiser ter duas televisões que dão os jogos, a quantidade a pagar passa para €218 por mês.
De acordo com uma reportagem do Le Parisien, muitos estabelecimentos estão a optar pela via da pirataria, instalando plataformas ilegais de transmissão de jogos. Um bar que queira ter a Ligue 1 e a Liga dos Campeões tem de desembolsar €278 por mês.
Problemas em Itália… e Portugal?
França não é exceção no minguar das receitas televisivas. Depois de longas e duras negociações, a Serie A vendeu à DAZN e à Sky os direitos para o ciclo 2024-2029 por €900 milhões por temporada, valor que é cerca de €25 milhões por ano menor do que o anterior contrato.
Nos Estados Unidos da América, mercado onde o calcio vinha ganhando força recentemente, a última venda de direitos à CBS também foi por valores “significativamente inferiores” aos registos prévios, informou o New York Times.
Num continente repleto de casos de difíceis renegociações de contratos televisivos, mundos bem diferentes do universo da Premier League, que continua a vender-se cada vez mais cara, Portugal aproxima-se da grande revolução nacional do passado recente nesta área.
Por decreto-lei de 2021, a comercialização centralizada dos direitos televisivos dos jogos da I e II Ligas terá de acontecer a partir de 2028/29. Esta venda conjunta terá de acontecer mediante modelo apresentado, pela Liga e pela Federação, à Autoridade da Concorrência até final de 2025/26.
Os últimos anos não registaram muitos progressos palpáveis neste processo. Um dos valores que já foi lançado como hipótese para a venda do conjunto dos direitos de transmissão nacionais eram €275 milhões, mas Jorge Pavão de Sousa, diretor-geral da DAZN em Portugal, questionou essa verba em entrevista à Lusa, dizendo que “nos últimos oito/nove anos”, o mercado nacional “não tem conseguido monetizar €180 milhões”.
Perante as dúvidas quanto ao desenvolver legislativo, há já certezas quanto à época de competições europeias que já se iniciou. Na nova Liga dos Campeões, Sporting e Benfica disputarão oito jogos na fase regular, ao contrário dos anteriores seis na fase de grupos, mudança que também se aplica à Liga Europa, onde o FC Porto tem presença garantida e o SC Braga lutará por estar.
Sport TV e DAZN dividirão estas competições, com a Sport TV a ter direito às duas primeiras escolhas de jogos em cada ronda. Ambas as estações decidiram aumentar os seus preços: a Sport TV subiu €5, passando o total multiscreen para €34,99, valor que pode mudar segundo o operador de televisão; a DAZN subiu o pacote total para €20,99, num acréscimo de €3; há, ainda, a BTV, que transmite os jogos do Benfica em casa e custa €11,49, mais €1,5 pela hipótese de ver em vários dispositivos.
Assim, para ter a totalidade dos pacotes das operadoras que transmitem o futebol em Portugal, é preciso pagar cerca de €68,97, cifra que pode variar caso se queira ver em vários dispositivos ou segundo a operador de televisão que se tenha contratada.