“Chorava quase todos os dias sem motivo algum”. Terá sido durante a pandemia e um isolamento forçado em Montreal, no Canadá, longe dos filhos, que Thierry Henry se terá deparado com uma realidade que, ao longo dos anos, havia tentado esconder, por vezes até inconscientemente: não, não estava tudo bem e aquelas lágrimas não eram apenas fruto daquele momento de fragilidade específico mas sim um rio de emoções vindo de trás e com o qual não lidou.
Convidado para o podcast “The Diary of a CEO”, o antigo internacional francês, um dos avançados mais impressionantes das últimas décadas, campeão mundial e europeu com França e ainda hoje melhor marcador da história do Arsenal, admitiu que é possível que tenha vivido com uma depressão ao longo da carreira. “Sabia-o? Não. Fiz algo a respeito? Obviamente que não”, sublinhou, adiantando que a falta de abertura da sociedade para os temas de saúde mental na altura em que era futebolista possam ter ajudado a que tenha evitado lidar com a questão, da qual em outubro já havia falado no podcast“The Rest is Football”, com Gary Lineker, Alan Shearer e Micah Richards.
O francês de elegância única em campo, mas que sofria sem saber, continua agora a fazer o trabalho de conhecer-se melhor a si próprio, falar das suas emoções. “Menti durante muito tempo porque a sociedade não estava preparada para escutar o que tinha para dizer”, frisou, apontando experiências da sua infância como gatilho para as inseguranças com as quais cresceu. E aqui, uma figura fulcral: o pai Antoine, sempre muito crítico e exigente com os seus jogos de futebol. “Em menino era sempre: ‘Não fizeste aquilo bem’. Quando ouves isso frequentemente, é o que vai ficar”, explicou, lembrando um jogo em específico, na sua adolescência, em que marcou seis golos mas que ainda assim não agradou ao pai, que lhe cobrou todas as falhas que detetou naquela partida.
“A primeira vez que o meu pai me pegou ao colo, disse: ‘Este bebé vai ser um futebolista incrível’. Podem imaginar o que aconteceu a seguir, eu estava programado para ter sucesso”, contou ainda o agora treinador dos sub-21 de França, que acredita que jogou sempre para agradar e cumprir um sonho que não era seu, mas sim do seu pai: “Eu sabia que, se quisesse fazer o meu pai feliz, só poderia ser através do futebol”.
Henry diz que não guarda mágoa do seu pai, que vê como um homem do seu tempo, que “nunca leu, nunca viajou”, por não ter oportunidades. “Não podemos ficar zangados com alguém que está a dar o seu melhor, que nos ensinou com as suas ferramentas”, explica, sublinhando que hoje, como pai, usa métodos diferentes com os filhos.
Por tudo isto, o antigo atacante acredita que aquelas lágrimas que jorravam sem pedir licença durante o duro confinamento em Montreal não eram as suas lágrimas, deste Thierry Henry de de 46 anos, mas sim as lágrimas de um menino que queria agradar ao pai: “Provavelmente estavam ali há muito tempo. Tecnicamente, não era eu, era o meu eu jovem a chorar por tudo o que não teve: aprovação”.
Depois de uma extraordinária carreira como jogador, Thierry Henry aventurou-se pelos bancos, primeiro como adjunto de Roberto Martínez na seleção da Bélgica, antes de não muito bem sucedidas tentativas de vingar como treinador principal no Mónaco e no Montreal Impact, da MLS. Voltaria a trabalhar na equipa técnica de Martínez na seleção belga, para no ano passado assumir o cargo de selecionador sub-21 de França. É também um dos proprietários do Como, clube da Serie B de Itália.