As camisolas blaugrana, a imponência de Camp Nou, o brilhantismo de Cruyff e Ronaldinho, de Messi e Romário, de Kubala e Iniesta. O famoso ADN, o estilo, o gosto pela estética, os títulos, as derrotas, Guardiola.
São muitos os motivos de sedução e encanto, muitas as razões por detrás de um dos maiores nomes do desporto mundial. Algumas, ou todas, estas razões tocaram, também, na sensibilidade de João Félix e João Cancelo, os dois novos reforços culés que não esconderam o “sonho” que, para eles, é chegar ao Barça.
Na apresentação da dupla portuguesa, tudo foram sorrisos, carinho, palavras bonitas, fotos com Laporta, o presidente ambicioso, e Deco, a antiga glória feita diretor desportivo. O clube agradeceu o “esforço” que ambos fizeram para ali estar, prova de como aquele clube seduz, motiva, apela, torna os tantas vezes frios profissionais em homens e mulheres que abdicam de algo para estar ali.
A chegada, de uma assentada, de Félix e Cancelo retoma a relação entre Portugal e o Barcelona. Até aos anos 90, apenas um nome nacional vestira a camisola dos catalães, mas, nos últimos 30 anos, vermos portugueses vestidos de blaugrana tornou-se tradição.
Os dois internacionais aumentam para 12 o contingente deste lado da fronteira na ponta aposta da Península Ibérica. Uma história de ídolos e contratações sem êxito, de anjos e demónios, com cabeças de porco à mistura.
De Angola para o Camp Nou
O primeiro português no Barça foi Jorge Mendonça. Nascido em 1938 em Angola, Mendonça, filho de um fundador do Sporting de Luanda, foi viver aos 11 anos para Lisboa, onde fez a formação no Sporting.
Sem espaço nos leões, foi, aos 18 anos, para o Sporting de Braga, onde brilhou. Nos minhotos, fez 40 golos em 43 partidas, chamando atenções do lado de lá da fronteira. Foi para o Deportivo da Corunha, primeiro, e para o Atlético de Madrid, depois.
Na capital espanhola, Mendonça esteve nove épocas, com 80 golos em 215 partidas. Até que, em 1966/67, os problemas financeiros dos colchoneros levaram ao mesmo percurso agora feito por João Félix: do Atlético para o Barcelona.
O Barça a que Mendonça chegou era bem diferente do atual. Naquele tempo, a glória era bem escasso em Camp Nou, era a época do aquest any si, espécie de “este ano é que é”, uma época em que os culés tinham imagem de perdedores.
Quanto o português assinou pelo Barcelona, o clube não era campeão há seis anos, desde 1960. Só voltaria a ganhar o título 14 anos depois, em 1974. E, depois disso, somente em 1985.
Quando a Jorge Mendonça, esteve três épocas no clube. Fez 49 partidas, marcou 16 golos, ganhou uma Taça do Rei. Seria preciso esperar quase 30 anos para ver novo português em Camp Nou.
Figo, de herói a vilão
Em 1995, depois das novelas com o futebol italiano, Luís Figo, craque em ascensão do Sporting e de Portugal, assinou pelo Barcelona que ainda era de Johan Cruyff. O impacto do extremo na Catalunha seria história.
Foram cinco épocas, 249 jogos, 45 golos. Nenhum outro português esteve, sequer, perto destes registos com os culés.
Figo, possível candidato à presidência da FPF, ergueu duas ligas, duas taças, uma supertaça de Espanha, uma Taça dos Vencedores das Taças, uma supertaça europeia. Foi capitão e ídolo, mas em 2000 tudo mudou.
A chegada de Florentino Pérez à presidência do Real Madrid abalou o futebol espanhol. Vieram as promessas, as ideias revolucionárias, o dinheiro. E, numa das transferências mais marcantes da história do futebol, Figo, o ídolo, capitão e craque do Barça, foi para o Bernabéu.
Pesetero terá sido o nome mais suave que lhe chamaram em Camp Nou. Atiraram-lhe uma cabeça de porco, transformaram-no em persona non grata. Para o bem ou para o mal, não houve outro português com o impacto emocional do 127 vezes internacional A no Barça.
O mágico Deco, as promessas frutradas Simão, Quaresma ou Trincão
Enquanto Figo ainda reinava nos blaugrana, Fernando Couto e Vítor Baía chegaram a fazer-lhe companhia. O central esteve apenas duas épocas, com 60 jogos e dois golos. O guarda-redes foi titular em 1996/97, mas não convenceu e regressaria ao FC Porto. Participou em 54 encontros.
No entanto, depois de Figo, nenhum outro internacional português teve tanto impacto como Deco. O segundo classificado da Bola de Ouro de 2004 aterrou na outra ponta da Península Ibérica em 2004 e, em quatro anos, mostrou a sua técnica, inteligência, competitividade e sentido coletivo, contribuindo para, numa equipa liderada por Ronaldinho, conquistar quase todos os troféus possíveis.
O agora diretor desportivo fez 161 jogos e 21 golos, valores só superados por Figo. Ganhou duas ligas, duas supertaças de Espanha, uma Liga dos Campeões e forjou o respeito que agora o leva a ser figura de peso nos escritórios do clube.
O negócio que levou Deco para o Barcelona teve Ricardo Quaresma a fazer o caminho oposto. Comparando com Figo desde cedo, o mustang trocara, em 2003, o Sporting pelo Barcelona, uma ponte aérea normal naqueles tempos.
Na primeira época do Barça de Ronaldinho, o rei das trivelas teve escasso protagonismo. Foram 28 jogos, um golo e, uma campanha depois, o regresso a Portugal, pela porta do FC Porto.
Ainda antes de Quaresma, outro extremo virtuoso comparado a Figo foi de Alvalade para Camp Nou. Simão Sabrosa aterrou na Catalunha em 1999/00, mas nunca demonstrou o nível que prometera no Sporting ou que evidenciaria, na sua máxima expressão, no Benfica.
Concluídos 70 encontros e apontados quatro golos, o especialista em livres voltaria a Portugal para reinar como primeiro grande ídolo da nova Luz. Depois de Simão e Quaresma, a relação Portugal - Barcelona teria, quase sempre, o Benfica como denominador comum.
Tal como João Félix e João Cancelo, também André Gomes e Nelson Semedo passaram pelo Seixal antes de vestirem a mágica camisola do clube pentacampeão europeu. É curioso como a história de quase todos os portugueses do Barça se escreve aos pares: Baía e Couto, os portistas que foram fazer companhia a Figo; Simão e Quaresma, os projetos frustrados de novo Figo vindos do Sporting; Gomes e Semedo, vindos do Seixal no pós-Euro 2016; Cancelo e Félix, apresentados de uma assentada.
Em 2016, depois do título europeu de Portugal, o médio que se evidenciara no Valencia fez a viagem do Mestalla para o Camp Nou. Em duas épocas, nunca André Gomes se mostrou confortável nos culés. Faria 78 partidas, com três golos, mas teria como um dos momentos mais marcantes a entrevista, à revista ‘Panenka’, em que reconheceu o sofrimento psicológico em que vivia.
Companheiro de André Gomes na última época do médio no clube, Nelson Semedo foi, depois de Deco e Figo, o português que mais vezes jogou pelo Barça. Em 124 duelos, marcou dois golos e ganhou cinco títulos.
Finalmente, o último internacional português antes de Félix e Cancelo foi Francisco Trincão. Voltando à linha de Simão ou Quaresma, o promissor extremo não se afirmou no clube. Em 2020/21, na última época de Messi no Barça, o atual jogador do Sporting fez três golos em 42 desafios. Cabe a Félix e Cancelo escreverem novos capítulos nesta história.