O futebol está muito longe de ser uma ciência exata. Fazer futurologia pode ser, por isso, um exercício condenado ao fracasso. Que o diga a revista “World Soccer”, que, desde há 10 anos, publica uma lista dos 50 mais promissores adolescentes do futebol mundial. A primeira colheita, de 2007, incluía nomes como Gareth Bale, Toni Kroos e Karim Benzema (que estão hoje no Real Madrid), Di María (que passou pelo Benfica e joga no Paris Saint Germain), Mesut Ozil e Alexis Sanchez (Arsenal), Sergio Agüero (Manchester City), Juan Mata (Manchester United), Ivan Rakitic (Barcelona) ou Fábio Coentrão (Sporting).
O ranking, porém, era encabeçado por um baixinho ganês que tinha acabado de chegar ao Atlético de Madrid envolto em polémica (assinara também por outro clube, o Étoile du Sahel, da Tunísia) depois de brilhar no Campeonato do Mundo de Sub-17: Sadick Adams. O nome não lhe diz nada? Não se espante. É que a carreira do jovem avançado africano não atingiu propriamente a glória que se augurava.
Só jogou na equipa B dos “colchoneros” e acabou por ser suspenso pela FIFA. Passou depois sem glória pela Sérvia, Tunísia, Arábia Saudita e Chipre, antes de voltar ao Gana, onde, aos 27 anos, joga no Asante Kotoko, a equipa com melhor palmarés do país. Marcou apenas seis golos no último campeonato, mas brilhou na final da taça, com um hat-trick. Em agosto, uma década depois da publicação da lista da “World Soccer”, estreou-se finalmente pela seleção principal ganesa: fez dois jogos contra o Burkina Faso e marcou um golo.
Outra publicação, o desportivo italiano “Tuttosport”, entrega desde 2003 o prémio Golden Boy, para o mais talentoso futebolista com menos de 21 anos a atuar num dos principais campeonatos europeus. A carreira de alguns dos vencedores do galardão confirmou, de facto, todo o seu talento: Messi, por exemplo, foi distinguido em 2005. A de outros parece ter entrado num beco sem saída — o exemplo mais recente é o de Renato Sanches, que foi do céu ao inferno em pouco mais de um ano, embora aos 20 anos ainda vá a tempo de justificar todo o potencial que nele se adivinhava.
Em 2004, ano em que Portugal chegou à final do Europeu jogado no nosso país, a distinção foi para Wayne Rooney, um avançado inglês com ar de porteiro de discoteca, que sucedia a Rafael van der Vaart, holandês com pinta de galã. Em segundo lugar (tinha sido terceiro um ano antes), atrás do seu colega do Manchester United, ficava um adolescente madeirense com a cara cheia de borbulhas e os dentes desalinhados, que, na época, dificilmente chegaria à capa de uma qualquer revista. Mais de uma década depois, Rooney e Van der Vaart tiveram carreiras de sucesso, mas nenhum dos dois chegou sequer uma vez ao pódio dos melhores. Já o rapazola madeirense, que o mundo conhece como Cristiano Ronaldo, ou simplesmente CR7, subiu ao topo da hierarquia cinco vezes, tantas quanto a sua Némesis argentina, Lionel Messi. Ninguém chegou tão longe quanto eles.
Deixando de parte a discussão sobre quem é, de facto, o melhor de sempre (“Cristiano Ronaldo foi feito para jogar futebol. Messi nasceu para jogar futebol”, sintetizou um taxista ruandês ao jornalista e escritor John Carlin), os feitos de ambos são incomparáveis: na última década, só por uma vez um dos dois lugares cimeiros da Bola de Ouro não foi ocupado por eles — foi em 2010, quando Messi, Iniesta e Xavi (todos do Barcelona) deixaram o jogador do Real Madrid fora do pódio. Nunca na história do futebol se assistira a algo assim: uma era dominada por dois futebolistas, que têm batido todos os recordes. Pablo Aimar, antigo jogador do Benfica e agora treinador nos escalões de formação da seleção argentina, resume-o assim: “Se um não existisse, o outro teria 10 Bolas de Ouro.”
O português (de 32 anos) e o argentino (de 30) parecem não ser deste planeta, mas mesmo eles não são imunes ao avançar do tempo, e chegará o dia em que aquele que posará com o prestigiado troféu da revista “France Football” não se chamará Messi ou Ronaldo. Acontecerá, seguramente, na terceira década deste século, mas pode até ser antes. Quem irá suceder-lhes é a dúvida que anda na cabeça de muita gente.
“É uma pergunta muito boa”, admitiu recentemente o próprio Ronaldo, disparando uma lista de possíveis sucessores com a mesma prontidão com que remata às balizas adversárias. “Vejo muitos [jogadores] com um grande potencial: Asensio, Mbappé, Neymar, Dembelé, Hazard, Rashford... e mais alguns. Há pelo menos uma dezena de jogadores com um potencial muito, muito grande.” Já Messi citou apenas três nomes: o brasileiro Neymar, o francês Mbappé e o uruguaio Luis Suarez, seu colega na frente de ataque do Barcelona, que tem nome de vencedor de Bola de Ouro — o homónimo, então também no Barcelona, foi distinguido em 1960 e é, ainda hoje, o único futebolista nascido em Espanha que recebeu a distinção — mas que está muito longe da consagração.
O PRÍNCIPE DE PARIS
De todos os candidatos a furar a hegemonia da dupla luso-argentina, aquele que está mais bem posicionado é Neymar, quase unanimemente considerado o terceiro melhor jogador da atualidade e o único (à exceção de Ronaldo e Messi, claro) a conseguir repetir a presença no pódio dos melhores do mundo nos últimos cinco anos — foi 3º em 2015 e 2017.
“É difícil prever o que irá acontecer no futuro, mas diria que o próximo vencedor da Bola de Ouro depois de Cristiano e Messi será Neymar”, acredita o compatriota Kaká, o último jogador a vencer o troféu antes desta hegemonia bicéfala no futebol mundial — foi em 2007, depois de conquistar a Liga dos Campeões com o AC Milão, batendo Ronaldo, que ganharia em 2008, e Messi, que foi terceiro.
No verão, Neymar protagonizou a transferência mais cara da história do futebol, ao trocar o Barcelona pelo Paris Saint Germain (PSG) a troco dos 222 milhões de euros inscritos na sua cláusula de rescisão. Poucos duvidam de que terá aceitado jogar num campeonato muito menos mediático, o francês, para poder sair da sombra de Messi e procurar a glória individual na Cidade Luz. Em Paris, ele é a estrela da companhia, formando com Mbappé e o uruguaio Cavani um dos ataques mais temidos do mundo. Ainda que o seu impacto no jogo da equipa tenha sido imediato — soma 11 golos e nove assistências na liga francesa e mais seis golos e três assistências na Liga dos Campeões —, a nova etapa não tem sido isenta de polémicas. Desentendeu-se com Cavani, o goleador da equipa, porque ambos queriam bater os penáltis, e tem sido alvo de críticas pelo seu estilo de vida, com constantes viagens a Londres, a Barcelona ou à Cotê d’Azur com o seu inseparável grupo de amigos, conhecidos por “Toiss”, e o intenso entra e sai na sua mansão em Bougival, onde viveu outro ilustre futebolista brasileiro, Ronaldinho Gaúcho, quando passou pelo clube entre 2002 e 2004.
Apesar de o brasileiro ter chegado a Paris há menos de meio ano, crescem os rumores de que o Real Madrid quer contratá-lo para substituir Ronaldo num futuro próximo, o que promete aquecer o encontro entre as duas equipas na próxima eliminatória da Liga dos Campeões, que os “merengues”, recordistas da prova, venceram em 12 ocasiões. Será uma prova de fogo para o PSG e para Neymar, que sabe que as suas hipóteses de ser coroado o melhor do mundo crescerão exponencialmente caso consiga conduzir os parisienses a uma vitória na Liga dos Campeões, algo que, apesar dos milhões injetados por Nasser Al-Khelaifi e dos títulos conquistados em França, o clube continua sem conseguir.
Com apenas 25 anos, o jogador nascido na Vila Belmiro, casa do Santos, brilha também com a camisola da seleção brasileira: é já o quarto melhor marcador de sempre (53 golos), apenas superado por lendas como Romário (55), Ronaldo (62) e Pelé (77). E, em ano de Mundial, o talentoso avançado sabe que uma vitória do Brasil — o recordista de títulos na competição (5) — o colocaria a um pequeno passo da consagração já na próxima edição da Bola de Ouro. “Se o Brasil vencer, Neymar torna-se o grande candidato, o que poderá ser fomentado também por uma boa prestação do PSG na Champions”, concorda o analista de futebol Rui Malheiro.
O PRODÍGIO FRANCÊS
Neymar foi para Paris para não se sentir eclipsado por Messi, mas encontrou na capital francesa aquele que é apontado por muitos como o mais promissor jovem futebolista da atualidade e um dos mais capacitados para dominar a próxima década: Kylian Mbappé. O prodígio francês, que fez 19 anos em dezembro, irrompeu com estrondo na cena do futebol internacional na época passada, ajudando o Mónaco de Leonardo Jardim a reconquistar o campeonato francês 17 anos depois do último título e a chegar às meias-finais da Liga dos Campeões, deixando pelo caminho o Manchester City de Guardiola e o Dortmund. Terminou a época com 26 golos em 44 jogos e transferiu-se para o PSG a título de empréstimo, um acordo que tem uma cláusula de compra obrigatória de 180 milhões de euros no final desta época, o que fará dele o segundo jogador mais caro de sempre, depois de Neymar.
Filho de um camaronês, que é o seu agente, e de uma argelina, Mbappé cresceu a idolatrar Cristiano Ronaldo, tendo dado os primeiros toques no AS Bondy, uma equipa dos subúrbios de Paris. Já então, com 7 anos, havia quem acreditasse que ele se tornaria um dos melhores do mundo, tendo despertado cedo a atenção de clubes como o Real Madrid, o Valência e o Chelsea, onde chegou a fazer testes quando tinha 11 anos. Acabou por ir para o Mónaco, estreando-se na equipa principal a 2 de dezembro de 2015, numa partida contra o Caen, entrando aos 88 minutos para o lugar de... Fábio Coentrão. Com 16 anos e 347 dias de idade tornava-se o jogador mais novo a atuar pelo clube, batendo o recorde estabelecido 21 anos antes por Thierry Henry, com quem é frequentemente comparado. É também o segundo mais jovem de sempre a estrear-se pela seleção principal de França e o que mais cedo chegou aos 10 golos na Liga dos Campeões. Sem surpresa, venceu o Golden Boy de 2017 — batendo a concorrência do compatriota Ousmane Dembelé, do Barcelona, e do brasileiro Gabriel Jesus, do Manchester City —, e só Ronaldo, Messi, Neymar, Buffon, Modric e Sérgio Ramos terminaram à sua frente na classificação da Bola de Ouro, um enorme feito para um jovem que tinha então apenas 18 anos.
“Olhando para o futuro, o Mbappé é provavelmente o futebolista mais talentoso e genuíno. Pela sua técnica e velocidade, aproxima-se do Ronaldo”, afirmou ao Expresso a antiga estrela da seleção francesa David Ginola. Apontado ele próprio como um potencial vencedor da Bola de Ouro, o belga Eden Hazard acredita também que o prodigioso avançado francês será o homem que irá romper o domínio dos dois maiores nomes do futebol na última década. “É o nome de que falamos todos os dias. É muito vertical, tem muita habilidade, marca golos. Acho que irá ganhar a Bola de Ouro em breve, porque ele é especial.” Se o conseguir, poderá ser o primeiro francês desde Zidane (1998) a alcançar a maior honra individual do futebol. Rui Malheiro concorda que o jovem avançado é quem “tem mais condições neste momento para atingir o patamar da luta pelo terceiro lugar, o que no futuro poderá fazer dele o primeiro”, mas duvida que venha a atingir o nível de Messi e Ronaldo, dois jogadores com “registos extraterrestres”.
DEMBÉLÉ E OS OUTROS
Depois da rivalidade entre Messi e Ronaldo, há quem acredite que a próxima década poderá ser marcada pela concorrência entre dois compatriotas: os franceses Kylian Mbappé e Ousmane Dembélé. Este último, de 20 anos, chegou no verão à Catalunha para substituir Neymar, mas lesionou-se cedo e não teve ainda a oportunidade de mostrar a razão pela qual o Barcelona pagou 105 milhões de euros (mais 40 em variáveis) aos alemães do Dortmund, depois de ter terminado a época passada com 18 assistências e seis golos na Bundesliga e na Liga dos Campeões. “Por incrível que possa parecer, os números não fazem justiça ao seu impacto. Tudo o que o Dortmund fazia no ataque tinha a sua impressão digital. Ele tem tudo — dois ótimos pés, velocidade, visão e capacidade de drible”, escreve Andy Brassell no site especializado em desporto “Bleacher Report”.
Mikaël Silvestre, antigo internacional francês, diz que o compatriota lhe lembra um certo madeirense com quem partilhou o balneário em Inglaterra (onde é que já lemos isto?). “Acho que ele pode ganhar a Bola de Ouro. Vi o Cristiano Ronaldo com a mesma idade no Manchester United, e o Ousmane tem as características que me lembram um jovem Cristiano.” Certo é que uma possível rivalidade entre os dois franceses seria muito diferente da relação distante de Messi e Ronaldo: Dembélé e Mbappé são bons amigos e deverão continuar a partilhar o balneário da seleção francesa nos próximos anos.
Com Ronaldo e Messi já nos 30, o campo para a sua sucessão tornar-se-á progressivamente mais aberto à afirmação de novas estrelas no firmamento do futebol mundial. “Depois do fim da carreira deles, o mais natural é que os prémios voltem a ser divididos por uma série de jogadores, tal como acontecia antes. E aí quem ganha a Liga dos Campeões ou as grandes competições internacionais de seleções estará sempre mais perto”, afirma Rui Malheiro.
O analista acredita que o português e o argentino continuarão “a ter um nível altíssimo durante pelo menos mais quatro anos”, pelo que acredita que a luta pela sucessão esteja em jogadores sub-25. O belga Kevin de Bruyne não encaixa nesse critério (tem 26 anos) e faz mais assistências do que golos, o que o prejudica — os prémios favorecem os jogadores mais goleadores —, mas é o jogador do momento na Premier League e o dínamo de uma equipa que aspira a ganhar tudo. Xavi compara o seu papel no Manchester City de Guardiona àquele que é desempenhado por Messi no Barcelona. “Cada vez que tem a bola, ficamos com a sensação de que vai fazer algo de especial com ela.”
Golos é o que não falta ao colega de equipa Gabriel Jesus (20 anos), que tem a idade a seu favor, assim como a Marcus Rashford (20), do Manchester United. Harry Kane (24), do Tottenham, é um pouco mais velho do que a dupla, mas marca como ninguém – foi o melhor marcador europeu de 2017, com 56 golos, superando Ronaldo e Messi –, e há já quem o veja como um sério candidato à Bola de Ouro, sobretudo se conseguir demonstrar a mesma forma num clube de outra dimensão, como o Real Madrid, que se diz estar interessado no seu concurso. Delle Ali (21), colega de equipa de Kane no Tottenham e na seleção inglesa e um dos maiores talentos da sua geração, também aponta a altos voos.
Outro belga insistentemente referido como um candidato a melhor jogador do mundo, Eden Hazard (26), do Chelsea, ainda não confirmou todo o potencial que dele se espera: em 2015-16, depois de uma época em que foi considerado o melhor jogador em Inglaterra, passou meses divorciado dos golos, mas em 2016-17 foi uma peça fundamental no título do Chelsea. De regresso a Inglaterra e ao Manchester United, Paul Pogba (24) é um dos melhores médios da atualidade, mas faltam-lhe títulos para o catapultar para prémios individuais.
Referido por Ronaldo como um dos jogadores que lhe podem suceder, o espanhol Marco Asensio (21) começou a época em grande estilo, mas foi tendo cada vez menos tempo de jogo no Real Madrid, que está a ter uma época para esquecer em Espanha. Apesar disso, é o jogador espanhol mais promissor do momento, e há grande curiosidade para ver o nível que poderá atingir quando se libertar da sombra de CR7. Quem também tenta sair da sombra, mas de Messi, é Paulo Dybala (24). Considerado por muitos o melhor talento criado na Argentina depois do 10 do Barcelona, é a estrela maior da Juventus, mas tenta brilhar ainda com a mesma intensidade na seleção “albiceleste”. O futuro passa também por ele.
Já o presente... é ainda de Ronaldo e Messi. A ditadura luso-argentina está longe do fim, garante David Ginola. “O Ronaldo ainda está no auge da sua forma e vai continuar por lá nos próximos dois anos. O Messi também, ainda não vimos o último golo dele.”