Fórmula 1

Com o ‘ano sabático’ de Hamilton na Fórmula 1, como vai a Mercedes evitar que ele seja um espião da Ferrari?

Depois de anunciar que vai para a Ferrari a partir de 2025, as atenções estão agora viradas para o último ano do piloto britânico na Mercedes. Lewis Hamilton garante que ainda quer levar a equipa à vitória, mas, antes disso, tem que enfrentar uma Mercedes “magoada” com a sua saída

Mark Thompson/Getty

“Uma surpresa para muitas pessoas" foi assim que o ex-piloto português de Fórmula 1, Tiago Monteiro, descreveu à Tribuna Expresso as reações dentro do paddock desde que o anúncio foi feito, na passada quinta-feira.

Não seria a primeira vez que uma decisão de Lewis Hamilton tinha um efeito semelhante na Fórmula 1, já que em 2013 trocou a bem sucedida McLaren - equipa com quem ganhou o seu primeiro título de campeão mundial - pela Mercedes. Essa saída ambiciosa e inesperada, para muitos vista como um tiro no escuro, garantiu-lhe os restastes seis títulos da carreira e a (quase) imortalidade na Fórmula 1.

O ANÚNCIO PREMATURO DA SAÍDA E A RUTURA DA MÁQUINA MERCEDES-HAMILTON

A experiência de Tiago Monteiro, dentro e fora das pistas da Fórmula 1, diz-lhe que é “muito raro” um anúncio destes ser feito com tanta antecedência, mas nada é impossível. Afinal, decorria o ano de 2005 quando o espanhol Fernando Alonso decidiu anunciar a sua saída da antiga equipa Renault para a McLaren em 2007 - dois anos antes.

Com um novo campeonato à porta, Lewis Hamilton prepara-se para um último ano enquanto piloto da Mercedes e por isso a sua presença nas garagens da equipa alemã não terá o mesmo significado. Hamilton nunca escondeu o fascínio pela Ferrari e nada garantia que o inglês fosse permanecer “para sempre” na Mercedes. Uma decisão que “não foi surpresa”, diz o chefe da equipa, Toto Wolff, mas o “timing” e como lhe foi transmitido “poderia ter sido diferente”.

O anúncio “prematuro” pode custar a Hamilton as relações de confiança que construiu na última década, principalmente com Wolff. Apesar de ter dito, recentemente, que continua “100% empenhado” em lutar pelo sucesso da Mercedes na temporada de 2024, a verdade é que a sua permanência por mais um ano, pode ser encarada como uma “extensão” da rival Ferrari dentro da própria equipa alemã.

Lewis Hamilton assinou um contrato “plurianual” com a Ferrari e sai da Mercedes onde estava há mais de uma década
Icon Sportswire

À Tribuna Expresso, o ex-piloto português explicou que, nestes casos, “sem dúvida” que o acesso a informações especificas sobre o desenvolvimento do carro do próximo ano pode ser negado a Hamilton. O mesmo pode acontecer com o acesso ao simulador que tem um papel fundamental no desenvolvimento dos carros, nas estratégias adotadas pelas equipas e na performance dos pilotos.

Dito por outras palavras, os engenheiros e funcionários da fábrica em Brackley podem não achar piada que Hamilton tenha conhecimento dos planos da Mercedes. A equipa alemã terá que encontrar um balanço entre a informação que está disposta a dar a Hamilton, para não prejudicar o desempenho da equipa em 2024, nem o desenvolvimento do carro para 2025, já que o feedback do piloto sobre o desempenho do carro deste ano terá sempre influência no carro do ano seguinte.

Esta situação coloca a relação entre Lewis Hamilton e a Mercedes num “limbo”.

O envolvimento que um piloto pode ter na construção do carro foi algo que Hamilton só passou a compreender quando chegou à Mercedes e viu a influência que Schumacher tinha tido tanto na equipa alemã como na Ferrari, como explicou à “Motorsport.com”, em 2020. No ano em que conquistou o seu último título de campeão mundial, explicou: “Estou sempre informado sobre em que ponto está o carro, quais são as limitações e no que a equipa está a tentar focar. Às vezes vou ao túnel de vento e peço ao chefe de aerodinâmica que me mostre o carro e me diga quais são os problemas e os obstáculos.”

HAMILTON SAI, MAS PODE NÃO IR SOZINHO

Não seria a primeira vez (nem a última) na história da Fórmula 1 que um piloto levava consigo alguns dos engenheiros da equipa onde estava. Com a ida de Hamilton para a Ferrari no próximo ano, a Mercedes corre também o risco de ficar sem a prata da casa, Peter “Bono” Bonnington, engenheiro de corrida de Hamilton.

Os dois construíram, nos últimos anos, uma relação sólida dentro e fora da pista. “Ele é como um irmão para mim, um irmão de outra mãe” disse Hamilton sobre Bono, com quem tem uma das “parcerias entre piloto-engenheiro mais duradouras” da Fórmula 1.

Por enquanto, os rumores não passam disso mesmo. O engenheiro ainda não se pronunciou sobre uma possível ida para Maranello, mas segundo o jornal italiano “Gazzetta dello Sport”, o efeito Hamilton-Ferrari pode já ter garantido a saída dos engenheiros Loic Serra e Riccardo Musconi da Mercedes para se juntarem à nova equipa de Hamilton na Ferrari.

Peter "Bono" Bonnington desepenha a função de engenheiro de corrida de Lewis Hamilton há mais de 10 anos
Dan Istitene - Formula 1

UM “ANO SABÁTICO” PARA HAMILTON E UMA OPORTUNIDADE PARA RUSSELL

"O George tem potencial para ser o próximo piloto líder da equipa" disse Toto Wolff. Segundo a “ESPN”, a Mercedes sempre teve “uma espécie de plano de sucessão em vigor” para Russell e as últimas declarações do diretor da equipa evidenciam ainda mais que esse será o caminho de George Russell. Com contrato até 2025, o inglês tem agora a oportunidade de provar ao chefe da equipa alemã que tem o que é necessário para assumir as rédeas e, quem sabe, acabar com o jejum da Mercedes que não vence uma corrida desde que o próprio venceu em Interlagos em 2022.

Quanto a Lewis Hamilton, parece já não ter mais nada a provar à Mercedes depois de um longo e vitorioso percurso. Com futuro garantido na Ferrari, a equipa com o legado mais cobiçado da Fórmula 1, o campeonato deste ano pode não ser de grandes responsabilidades para o piloto britânico.

* artigo escrito por Mariana Jerónimo e editado por Diogo Pombo.