Expresso

Nadal - Zverev, ou como o ténis também é cruel

O encontro entre Zverev e Nadal prometia tardar algumas horas (o segundo set não estava terminado e já se jogara 3h13) quando, à entrada para o segundo tie break, o pé do alemão cedeu. No final, com Zverev já de muletas e depois de um abraço honesto entre ambos, Nadal lamentou: "É muito triste para ele, sinceramente. É um grande colega no circuito, eu sei como tem lutado para ganhar um título do Grand Slam"

Clive Brunskill

Os berros em agonia ecoaram no lugar onde mais dói naqueles que estavam a ver o encontro entre Rafael Nadal e Alexander Zverev, nas meias-finais de Roland-Garros. Quando ia responder a mais um ataque do espanhol, numa altura em que o encontro se encaminhava para o segundo tie break em dois sets, superando já as três horas de jogo, o pé do alemão deu um jeito na terra batida. E ele gritou, de dor certamente, de susto e pelo que adivinhava o adeus. Nadal aproximou-se, com ar carregado e de quem lamenta. Puxaram uma cadeira de rodas e Zverev, que até conseguiu meter o pé direito no chão, desapareceu para ser assistido.

E voltou, já de muletas, para se despedir do público parisiense e para receber um abraço honesto do desiludido Nadal. “É muito triste para ele, sinceramente. É um grande colega no circuito, eu sei como tem lutado para ganhar um título do Grand Slam”, ia desabafando o tenista canhoto perante Mats Wilander. “A final é um sonho, mas [solta riso que não é alegre]… eu estive ali dentro com o Sascha, antes de voltarmos, e vê-lo a chorar é muito duro. Desejo-lhe o melhor.”

Clive Brunskill

O jogo estava a ser um regalo e foi tragicamente interrompido quando o relógio gritava 3h13. Prometia ser uma daquelas jornadas eternas de seis ou sete horas, a fazer lembrar outros duelos míticos. O nível de ténis tocou no céu e na terra, houve divino e erros de homens normais como os outros homens normais. E testemunharam-se também coisas bizarras, como as oito quebras de serviço no segundo set. Enfim, seria uma tarde daquelas memoráveis com Nadal atrás da final para alcançar o 14.º triunfo em Roland-Garros e Zverev, que avisou que já não era um miúdo de 20 ou 21 anos e que trouxe a melhor versão da esquerda a duas mãos, demonstrou que estava pronto para sair de Paris como novo número 1, o que aconteceria caso vencesse o torneio.

Uma espécie de eternidade no horizonte

Quando Rafael Nadal, em dia de 36.º aniversário, entrou no Court Philippe-Chatrier foi como se estivesse numa zona qualquer de sua casa. Deve conhecer certamente de cor o cheiro daquela terra, os sons, as referências espaciais e, claro, o que dizem as paredes em forma de pessoas. O primeiro set foi soberbo, não só pelas inúmeras bolas excelsas e impossíveis, mas também pelos erros, pelas decisões boas e más, pelo invisível lado mental que parecia morder nos momentos-chave, sobretudo Zverev, que quebrou logo, logo o serviço de Rafa. O alemão, com poucos músculos visíveis e com um estilo muito viajante do Sudeste Asiático, apresentou-se a grande nível, com acelerações e serviços brutais do alto dos 198 centímetros que tem, com grandes chapadas de direita e muito veneno na esquerda a duas mãos. Nadal ia sofrendo no arranque da partida, a correria e o prolongamento das jogadas parecia beneficiar o rival.

Com 3-1 para o número 3 do mundo, Nadal começou a variar mais o jogo. O amorti apareceu, e Zverev quase tem um doutoramento naquele sofrimento depois do jogo com Carlos Alcaraz, mas também as subidas à rede, a combinação serviço-vólei e o slice. O espanhol só queria deixar o adversário desconfortável e começou aqui a criar uma narrativa diferente para este encontro. A direita do alemão começou a questionar-se. E a cabeça, quem sabe, aproveitou a boleia, comprovavam as duplas faltas que foram surgindo.

O tie break, altura em que Nadal parecia queixar-se do tamanho das bolas – o jogo estava a ser disputado indoor por causa da chuva –, foi um resumo perfeito do que tínhamos até aqui: ténis de alto nível, erros surpreendentes e oportunidades falhadas. Zverev, que foi sofrendo com a falta de toque de bola que pertence aos magos, chegou a ter 6-2 a favor. Mas Nadal, principalmente com duas bolas que só respondem à mitologia, foi buscar o set e, no derradeiro ponto que deixou ambos arrasados (44 pancadas), ganhou-o 91 minutos depois. O olhar desafiante e glorioso para os seus explicava a importância do momento.

Pelo corpo de Nadal escorria água como se estivesse num impiedoso deserto, as pernas mal cabiam nos calções encharcados. Alexander, denunciando a juventude, estava visualmente mais composto. O segundo set começou com quatro breaks, uma filha qualquer da bizarria. E o nível baixou relativamente ao que se vira no tie break. Mas Zverev afinaria a maquinaria e começaria a ser mais perigoso e agressivo.

Às portas de novo tie break, com pontos pelo meio que mais pareciam de um jogo de exibição, já que Nadal começou a testar a panóplia de recursos para frustrar e cansar o rival, já se haviam registado os tais oito breaks. Os erros acumulavam-se, os momentos especiais idem. Zverev chegou a ser avisado pelo árbitro de cadeira por um eventual palavrão, que ele jurou com as mãos juntas que não disse. O nível subiu finalmente e já se antevia uma colossal reedição do tie break do primeiro set. Mas o pé de Alexander Zverev cedeu e o ténis foi cancelado.