As más notícias têm o raro condão de ter um peso que se faz carregar. É quase medível. A vitória da Sérvia contra a Alemanha, uma surpresa desavinda, complica as contas do Grupo H de apuramento para o Mundial 2023, mas as futebolistas portuguesas, comprometidas com o que não se vê no horizonte, tragaram essa bizarra brisa e bateram a seleção da Bulgária por 3-0, um adversário que tinham superado na primeira volta por 5-0.
O 4-3-3 clássico de Portugal vestiu a melhor farda e apresentou-se com muita categoria e ideias, ainda que as combinações nos últimos 30 metros sofram de alguma falta de fineza. Com Tatiana Pinto normalmente a 6, para jogar e tocar e não para defender, o meio-campo juntava ainda Vanessa Marques e Andreia Jacinto, que fez uma daquelas exibições especiais em que vai somando boas decisões e, claro, dando às colegas o pãozinho, que é como quem diz oportunidades de golo ou situações de vantagem. Tem 19 anos e por isso apetece lembrar a resposta de Pep Guardiola há dias, numa entrevista a um canal argentino, sobre a "mentira" que é a experiência no futebol.
A média fez duas assistências e esteve indiretamente ligada a outro golo. Na frente, Jéssica Silva e Ana Borges atuavam perto das linhas e Diana Silva a 9, sendo que baixa muitíssimo para se associar com quem está a jogar de frente para a baliza rival e, quem sabe, às vezes seja descurado o ataque ao espaço.
Portugal quase marcou logo aos 4’, depois de uma interação do trio da frente, mas o remate da capitã, Ana Borges, foi bloqueado. O 5-3-2 da Bulgária, que parecia mais mordaz na esquerda, acabaria por sofrer muito, atrás, à espera de chuva.
Outro mecanismo oleado desta seleção portuguesa, de Francisco Neto, reside nas associações que ganham forma no corredor com jogadoras que se conhecem, como Alicia-Jacinto-Borges (com salpicos de Diana Silva) pela esquerda e, do outro lado, Catarina Amado-Jéssica Silva. Seria sempre, apesar das diferenças abismais na qualidade técnica, um jogo de paciência e, do outro lado, de resistência.
Gabriela Naydenova, Yana Yordanova e Yoana Stankova, as senhoras que se ocupavam de trancar o lado esquerdo da defesa, iam sobressaindo pelas tarefas defensivas, sobretudo porque havia mais duelos, algo habitual quando Jéssica Silva mora ali. É uma dribladora, virtuosa, vai ao casino, joga, ganha, perde, voa, cai e volta a tentar. Pelo meio, rouba lábios rasgados a quem a vê, ouvem-se variantes de “uhhhhh”. As dores de cabeça ficam para os treinadores, as duras idem. São jogos bons para este perfil de futebolista, em que a perda de bola não é assim tão dramática. Daí um ou outro sorriso da jogadora do Benfica.
Barcelos meteu muita gente nas bancadas e até a chuva optou por sair da toca e participar neste importante evento. Os golos chegaram aos 18’, 26’ e 42’. Andreia Jacinto bateu um livre e Diana Silva desviou, ou pela festa que fez garante que tocou, já que a trajetória da bola não esteve para muitas danças; depois, após entendimento entre Alicia, Jacinto e Borges, a bola da extrema encontrou no terceiro andar a cabeça de Vanessa Marques, que assim celebrava da melhor maneira o 26.º aniversário; finalmente, mais uma bola de Andreia Jacinto, após canto curto, passeou-se pela área até encontrar o sábio pé de Carol Costa, que ia experimentando belíssimos passes verticais para gerar vantagens.
A companhia na defesa, Sílvia Rebelo, teve o mesmo tipo de ofício, isto é, atacar mais do que defender
Lora Petrova, Ivana Naydenova e Gabriela Naydenova, as operárias que tinham a ingrata tarefa de ir fechando o meio-campo com apenas três jogadoras, bailando ao som do invisível acordeão, merece menção honrosa, mais pela missão e sacrifício, às vezes por algum estancamento do jogo luso, do que por ideias para saltar para o ataque.
Já perto do intervalo, a segunda má notícia da noite: Ana Borges sofreu uma pancada terrível, imprudente e aparentemente não maldosa, de Yana Yordanova. A futebolista do Sporting ainda se levantou, queria continuar, mas a perna não permitia. A extrema que no clube joga a ala saiu de maca, com as mãos a tapar os olhos, talvez tentando secar a tristeza.
A segunda parte, já com Mélissa Gomes em campo (por Borges), caiu um pouco de qualidade. Neto deu a oportunidade a algumas jogadores de jogar pelo seu país. No caso de Rute Costa, a guarda-redes teve mesmo a chance de jogar perante as gentes da sua terra, algo que será inolvidável. Mélissa ia sendo a mais inconformada, é esse o contrato entre quem sai do banco e a profissão. O controlo do jogo, esse, era inegável e imperdível. Viu-se menos alegria nas portuguesas, com exceção para o que acontecia nos pés da endiabrada Mélissa, a vestir a pele de Jéssica, encolhendo ombros, à procura do golo. Nem sempre a utilidade reina no futebol, também o que diverte e faz suspirar tem lugar na mesa de jantar, numa espécie de flash interview familiar e caseira de quem foi testemunha.
Mariana Azevedo, Lúcia Alves, que já depois da hora testou um perigoso tiro de longe, e Andreia Faria entraram a tempo de contribuir para mais uma vitória de Portugal, a quinta em oito jornadas do Grupo H, que estaciona agora a cinco pontos da Alemanha e a dois da Sérvia, com quem terá um tira-teimas a 2 de setembro.