Há quanto tempo não falava aqui de uma ida presidencial ao balneário? Um ano? Dois? Talvez menos. Já não sei. Mas acredito nos jornais (ainda sou desse tempo) e os jornais dizem que Rui Costa, após a derrota com o Braga, desceu ao balneário e arrasou os jogadores. O que lhes terá dito cabe-nos a nós imaginar, mas eu não vejo Rui Costa, sempre aveludado, um homem formado na universidade do balneário, a arrasar jogadores. Creio que haverá ali uma pitadinha da hipérbole de que os jornalistas tanto gostam.
E de que serviria um arraso em abril, quando tudo está praticamente decidido, o Benfica prepara-se para celebrar consecutivamente um terceiro lugar que não visitava há anos e vem aí um Liverpool que jogou numa rotação tão baixa contra o Watford que eu temo o pior, como as tempestades que varrem tudo após uma sinistra acalmia? Uma desanda em abril? Um sobressalto no mais cruel dos meses? Um último hurra antes da derrota final? O plantel de rostos pintados de vermelho, máscaras de guerra, pronto a enfrentar o inimigo mil vezes mais forte com uma galhardia louvável, mas pueril? Ah, deixem-se disso.
Imaginemos que Rui Costa, depois de uma época miserável (com a exceção de uma campanha rocambolesca na Liga dos Campeões), em que a equipa nunca se bateu de igual para igual com os rivais, com motins na Bounty e birras de jogadores, despedimentos adiados e apostas a medo, tinha finalmente chegado ao limite da paciência e tinha dado uma descompostura e tinha arrasado o plantel? Gritos no balneário a esta altura do campeonato? Que desperdício de indignação e perdigotos.
Lamentavelmente, estes esforços desesperados sabem a remédios tardios, uma gesticulação inútil para disfarçar a passividade nos momentos críticos. Quando o Benfica precisou de uma liderança forte e segura, que definisse um rumo claro no momento mais tormentoso, o presidente refugiou-se em meditações de gabinete. Agora que tudo está perdido ressurge com inúteis fúrias de balneário, a culpar, segundo os jornais, a defesa pelo desaire, a defesa que lhe tem dado as escassas alegrias da temporada.
Se fosse eu, optaria pelo silêncio. Uma ida presidencial ao balneário para absorver coletivamente o silêncio. Uma encenação. Se o presidente tem o homem das finanças e o homem da comunicação também deveria ter um dramaturgo que lhe sugerisse falas e gestos. Um dramaturgo que lhe dissesse: “Quando entrar, dirija-se ao Rafa, com a mão peça-lhe que se levante e, em silêncio, dê-lhe um beijo nas tristes barbas da traição. Depois, sem uma palavra, saia, imperial, um Júlio César apunhalado pelos olhares da vergonha e da derrota.” Nestes momentos é preciso crença na grandeza, alguma megalomania, um certo arrojo, um sentido cénico e trágico do futebol, algo que confunda os espíritos já calejados de impropérios e de treinadores coléricos, e não a repetição de fórmulas arcaicas de descidas ao balneário.
Para o ano, segundo consta, virá um treinador alemão. Escolhido pelo presidente, diz-se. Uma escolha pessoal e solitária, diz-se também, para emprestar à decisão uma carga divina de quem dispensou conselheiros e tomou para si mesmo a derradeira responsabilidade. Então que traga, além do treinador e respetiva trupe de adjuntos, um dramaturgo para que as idas ao balneário tenham outra gravitas e, quem sabe, possam um dia ser transmitidas pela RTP2 numa terça-feira à noite.