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Expresso

A descida ao balneário de Rui Costa, um desperdício de indignação e perdigotos

Bruno Vieira Amaral fala da suposta ida ao balneário de Rui Costa, após mais uma derrota do Benfica, para "arrasar os jogadores". E pergunta-se para que servirá um arraso em abril, quando tudo está praticamente decidido para os encarnados

Há quanto tempo não falava aqui de uma ida presidencial ao balneário? Um ano? Dois? Talvez menos. Já não sei. Mas acredito nos jornais (ainda sou desse tempo) e os jornais dizem que Rui Costa, após a derrota com o Braga, desceu ao balneário e arrasou os jogadores. O que lhes terá dito cabe-nos a nós imaginar, mas eu não vejo Rui Costa, sempre aveludado, um homem formado na universidade do balneário, a arrasar jogadores. Creio que haverá ali uma pitadinha da hipérbole de que os jornalistas tanto gostam.

E de que serviria um arraso em abril, quando tudo está praticamente decidido, o Benfica prepara-se para celebrar consecutivamente um terceiro lugar que não visitava há anos e vem aí um Liverpool que jogou numa rotação tão baixa contra o Watford que eu temo o pior, como as tempestades que varrem tudo após uma sinistra acalmia? Uma desanda em abril? Um sobressalto no mais cruel dos meses? Um último hurra antes da derrota final? O plantel de rostos pintados de vermelho, máscaras de guerra, pronto a enfrentar o inimigo mil vezes mais forte com uma galhardia louvável, mas pueril? Ah, deixem-se disso.

Imaginemos que Rui Costa, depois de uma época miserável (com a exceção de uma campanha rocambolesca na Liga dos Campeões), em que a equipa nunca se bateu de igual para igual com os rivais, com motins na Bounty e birras de jogadores, despedimentos adiados e apostas a medo, tinha finalmente chegado ao limite da paciência e tinha dado uma descompostura e tinha arrasado o plantel? Gritos no balneário a esta altura do campeonato? Que desperdício de indignação e perdigotos.

Lamentavelmente, estes esforços desesperados sabem a remédios tardios, uma gesticulação inútil para disfarçar a passividade nos momentos críticos. Quando o Benfica precisou de uma liderança forte e segura, que definisse um rumo claro no momento mais tormentoso, o presidente refugiou-se em meditações de gabinete. Agora que tudo está perdido ressurge com inúteis fúrias de balneário, a culpar, segundo os jornais, a defesa pelo desaire, a defesa que lhe tem dado as escassas alegrias da temporada.

Se fosse eu, optaria pelo silêncio. Uma ida presidencial ao balneário para absorver coletivamente o silêncio. Uma encenação. Se o presidente tem o homem das finanças e o homem da comunicação também deveria ter um dramaturgo que lhe sugerisse falas e gestos. Um dramaturgo que lhe dissesse: “Quando entrar, dirija-se ao Rafa, com a mão peça-lhe que se levante e, em silêncio, dê-lhe um beijo nas tristes barbas da traição. Depois, sem uma palavra, saia, imperial, um Júlio César apunhalado pelos olhares da vergonha e da derrota.” Nestes momentos é preciso crença na grandeza, alguma megalomania, um certo arrojo, um sentido cénico e trágico do futebol, algo que confunda os espíritos já calejados de impropérios e de treinadores coléricos, e não a repetição de fórmulas arcaicas de descidas ao balneário.

Para o ano, segundo consta, virá um treinador alemão. Escolhido pelo presidente, diz-se. Uma escolha pessoal e solitária, diz-se também, para emprestar à decisão uma carga divina de quem dispensou conselheiros e tomou para si mesmo a derradeira responsabilidade. Então que traga, além do treinador e respetiva trupe de adjuntos, um dramaturgo para que as idas ao balneário tenham outra gravitas e, quem sabe, possam um dia ser transmitidas pela RTP2 numa terça-feira à noite.