Desde que chegou ao MotoGP, Marc Márquez teve muito pouco tempo para tocar o chão. Há quem chame ao seu primeiro ano uma estreia de sonho, mas talvez tenha sido boa demais para sequer ter conseguido sonhá-la. O pódio na primeira corrida, no Catar, a primeira vitória logo a seguir no Circuito das Américas e as quatro vitórias consecutivas a meio da época foram a chave para que a 10 de novembro de 2013 se tenha tornado o campeão mais jovem da história do Mundial de MotoGP.
Sete anos depois, o piloto espanhol já era um dos maiores nomes da história do motociclismo. Venceu seis títulos mundiais na categoria-rainha e tornou-se o mais jovem a fazê-lo (26 anos e 231 dias). Fez todo este percurso com a Honda e por isso tornou-se também o piloto mais bem sucedido da equipa, ultrapassando Mick Doohan, que venceu o título por cinco vezes. Com nove vitórias, Márquez ganhou mais corridas do que qualquer outro piloto nesse ano. Também alcançou o maior número de pódios (14) e ficou mais vezes na pole position (9).
Durante oito épocas, Márquez voou pelos circuitos dos quatro cantos do mundo. Até que o corpo o chamou à terra e o obrigou a ser humano outra vez. Uma lição de humildade que já dura há dois anos e que parece não dar tréguas ao catalão, que mais uma vez terá de perder provas do Mundial devido a quedas, depois de confirmado que não estará no GP Argentina desta semana, consequência ainda de um tombo feio no GP Indonésia.
2020 foi um ano atípico para todo o mundo, mas à pandemia causada pela covid-19, que obrigou a uma série de mudanças no calendário do Mundial de MotoGP, Márquez juntou uma lesão que o obrigou a ficar de fora durante toda a temporada. Como resultado de uma queda no Grande Prémio de Espanha, a primeira prova desse calendário improvisado, o piloto fraturou o braço direito, que foi atingido pela própria mota. Depois de passar por uma primeira cirurgia, tentou regressar para o Grande Prémio da Andaluzia, apenas seis dias depois, uma opção de risco. Já na pista percebeu que as dores não o deixariam competir. Algumas semanas depois confirmou-se que não iria competir até ao final da temporada.
Durante esse tempo foi sujeito a mais duas intervenções cirúrgicas. A primeira depois de ter tentado acelerar o tempo de recuperação, o que acabou por agravar a lesão, e a segunda porque a anterior não correu como esperado. O ano não podia ter corrido pior a Márquez, que à meia-noite do dia 1 de janeiro de 2021 deve ter desejado o regresso do piloto que venceu seis títulos mundiais, sem saber que estava prestes a entrar numa outra montanha-russa.
No início de 2021, a lesão no braço ainda se fazia sentir e os resultados desportivos foram a prova disso. Mas se é verdade que as curvas para o lado direito lhe deram trabalho, também é que para o lado esquerdo o piloto campeão do mundo voltava a dar sinais de estar presente. Regressou às vitórias no Grande Prémio da Alemanha e voltou a vencer no Circuito das Américas. Mas talvez a vitória mais significativa tinha sido no Grande Prémio de Emília-Romanha, quando as curvas para a direita deixaram de ser um problema e o espanhol conseguiu a vitória.
Márquez estava de volta e já todos se preparavam para voltar a ver o piloto nos maiores palcos da categoria quando as coisas voltaram a correr mal. Antes do GP do Algarve, a Honda anunciou que o espanhol se tinha lesionado durante um treino, mas a notícia que chegou depois apanhou todos de surpresa: na sequência da queda, Márquez estava de novo com diplopia, um distúrbio visual que leva à visão dupla, algo pela qual já tinha passado em 2011.
“São tempos difíceis, parece que está a chover sobre a molhado. Depois de visitar o Dr. Sánchez Dalmau, um novo episódio de diplopia (visão dupla) foi confirmado, tal como em 2011. É preciso paciência, mas se há uma coisa que aprendi foi a enfrentar a adversidade com positividade. Obrigado pelo vosso apoio”, escreveu o piloto nas redes sociais.
Quando sofreu o mesmo problema, 10 anos antes, também se viu obrigado a abandonar o resto da temporada e esteve cinco meses sem andar de mota. A recuperação foi lenta, mas assim que regressou para a primeira corrida do ano seguinte, chegou ao primeiro lugar do pódio. Venceria o título de Moto2 nessa época, pouco antes de fazer o salto para o MotoGP.
A recaída significou que Márquez passaria mais um inverno focado na recuperação para conseguir regressar à competição no ano seguinte. E não foi fácil. “Quando aconteceu o problema da visão houve dois fatores: o primeiro era que já tinha passado por isso e sabia o que estava para vir. Quando se sabe o que está para vir muitas vezes é pior. E em segundo, nem os médicos me sabiam dizer se seriam três meses, seis, ou se nunca mais ficaria melhor e nunca mais andaria de mota. Chega a um ponto em que o teu corpo se desliga. Não é que te sintas derrotado, mas deixas-te ir. Pensas: seja o que Deus quiser. Eu não podia fazer nada. Depois veio a ansiedade, o não comer…”, explicou em entrevista ao “El País”.
A esta altura, já duas coisas pareciam certas na carreira do piloto: os problemas a aparecer e Márquez a protagonizar regresso atrás de regresso. Para a temporada de 2022 voltou o piloto e a fome de vencer que o levou a tantas vitórias ao longo da carreira. “No final, nunca esqueci qual é o meu objetivo. E o meu objetivo é, pelo menos uma vez, tentar lutar pelo campeonato. Ainda tenho 28 anos, por isso temos tempo”, disse o espanhol ao website “The Race” em fevereiro.
Márquez começou o ano com um quinto lugar, no Catar, mas depois o azar voltou a bater-lhe à porta. Na Indonésia, o piloto estava a fazer uma curva quando o pneu traseiro perdeu a aderência, fez um movimento brusco, provocou um violento abanão na mota e projetou o piloto pelo ar até ao duro impacto com o asfalto. Márquez conseguiu levantar-se sozinho, ainda que visivelmente atordoado, e foi levado para o hospital. O diagnóstico: um traumatismo cranioencefálico.
Na semana passada, quando regressou a casa foi levado com urgência para uma clínica em Barcelona, onde foi visto pelo seu oftalmologista de confiança, Sánchez Dalmau, o mesmo médico que tratou o primeiro problema de diplopia que teve. Pouco tempo depois, a equipa médica confirmou uma nova recaída.
Por agora o piloto não irá participar no GP da Argentina e fica a incerteza em relação às próximas corridas. Se a tendência se mantiver, Márquez conseguirá regressar e voltar a ganhar. Até porque como disse o piloto, ainda há tempo. Mas estes dois anos têm sido um pesadelo para o craque de Cervera.