Nesta crise de centrais que a seleção viveu nestes dias, sem Pepe e Rúben Dias, houve por aí alguma esperança?
Quando tive a oportunidade de vir para o Sporting, sentia que era uma oportunidade de estar aqui mais perto, de ter, a nível nacional, um impacto diferente num grande clube. A partir do primeiro ano, em que as coisas não correm tão bem a nível coletivo e individual, deixei essa obsessão de lado e passei a pensar muito mais no clube do que na seleção. É claro que a gente acaba sempre por ter o objetivo de representar Portugal. Repeti várias vezes em entrevistas: para mim, é a maior honra que um jogador pode ter, mas deixou de ser obsessão, acho que sofri demasiado. Sempre que chegava ali a quinta-feira, ao meio-dia e meia, queria ver mesmo se estava convocado, depois senti que isso começou a mexer muito comigo. Com o trabalho que fui fazendo, acabou por me dar um bocadinho de paz tentar focar-me muito mais no Sporting. Apesar do bom momento, acredito que Portugal está bem servido. Existe também esta corrente de mudança, com jogadores mais jovens. O [Gonçalo] Inácio também já merecia uma oportunidade, já a tinha tido mas depois teve uma lesão. O Inácio está mais do que preparado para poder fazer um bom trabalho, continuamos muito bem servidos de centrais, pelos mais experientes que se mantêm e pelos mais novos que estão a aparecer.
Mas, entre tanta incerteza, houve alguma ansiedade?
O mister acabou por mudar um bocadinho o paradigma, agora o Danilo também integra [o lote]. Antigamente, sentíamos que eram quatro defesas que iam e às vezes podíamos fazer a contagem, agora com o Danilo nunca temos a certeza, já imaginamos que sejam três jogadores. Não fiz essa contagem. Se me ligassem, ficaria muito feliz e muito honrado como sempre.
Nos últimos 30 jogos de Portugal em fases finais, Rúben Dias foi o único central utilizado com menos de 29 anos. Em 2014, 2016 e 2018 não foi usado nenhum central com menos de 31 anos. O que dizem estes números?
Penso que Pepe e Bruno Alves será a dupla que joga muito mais tempo do que todas as outras. Acho que foi uma dupla incrível na seleção. Depois, por aquilo que conhecemos do mister Fernando Santos, sente-se que a nível de centrais ele tem um estilo próprio. Primeiro, não gosta de lançar jogadores mais jovens em jogos mesmo a sério, que possam ser marcados injustamente por um possível mau resultado. Sentimos que ele, atrás, realmente gosta de maturidade, responsabilidade e concentração. Ou seja, não tanto do glamour técnico, mas sim aqueles dois jogadores que dão ali uma liderança diferente à equipa de trás para a frente. Imagino que, se tivesse de pegar nesses dados, a minha justificação seria essa: ele não abdica da experiência, principalmente atrás, num posto que é muito importante. O Rúben Dias foi destacadamente um jogador que se conseguiu incluir no lote por todo este crescimento que teve, não só a assumir a defesa do Benfica, mas também no City, muito bem. Notam-se traços de liderança que agradam muito ao mister.
Portugal tem muitas opções de jovens a aparecer em todas as posições, só nos centrais é que está um bocado bloqueado, talvez por essa razão que dizes. Mas no campeonato veem-se poucos jovens a assumir, [Eduardo] Quaresma está a jogar menos, Ferro desapareceu e foi para a Croácia. É preciso os treinadores terem coragem para apostar num miúdo? É a formação que não dá os estímulos certos?
Nós podemos ter ali 10 centrais muito bons e muitos jovens a aparecer naquele momento, mas dificilmente iam ter uma oportunidade porque o Pepe e o Bruno Alves estavam num nível completamente diferente como dupla. Em alguns momentos, por exemplo, tivemos aquele período com o lateral direito e não tínhamos muitas opções, agora se calhar temos oito. É um bocadinho de tudo, os momentos, os jogadores que estão a aparecer, muitas vezes o jogador que está numa liga e está a jogar, mas mesmo assim acaba por não ter espaço. Se estivessem disponíveis, a dupla seria Pepe-Rúben Dias e, independentemente de termos 10 jogadores que pudessem estar na Primeira Liga ou na Liga dos Campeões, eu não vejo aqui um central que pudesse tirar-lhes o lugar. Ou seja, não é tanto pelas opções, é muito pelo momento e pelo que o Fernando Santos pensa. E nem é tanto por ter receio, o Inácio jogou contra Dortmund, Ajax, Porto e Benfica, é um jogador que não podemos dizer que não está preparado para um Portugal-Turquia ou possivelmente Portugal-Itália [a entrevista foi feita antes do primeiro jogo do play-off]. O mister, se calhar, reconhece um bocadinho mais esta maturidade e experiência ao Danilo. Nós, centrais, acabamos por ter o nosso tempo, que jogamos no clube, no treino, a sorte no treinador que encontramos, a maneira que jogamos no clube e na seleção. É um bocadinho de tudo.
O Gonçalo Inácio tem 20 anos e parece estar a furar esse paradigma. O que tem ele de especial?
Quando o mister Amorim o chamou, não era dos que saltava mais à vista que estaria preparado, mas foi o jogador que mais cresceu. O modo como encarava o treino, de aprender sempre alguma coisa, estava sempre recetivo a ouvir, o facto de ser adaptado numa posição em que joga com o pé contrário, perceber o que podia ganhar com os adversários a terem de o marcar de maneira diferente por ser pé esquerdo, o jogo que podia exponenciar, a confiança que o mister lhe deu, acaba por ter um espaço. O Inácio foi saltando etapas. Fisicamente, o próprio mister Amorim chegou a referir isso, o Inácio é muito de ter uma dor e está ali sempre com alguma dificuldade, mas tem até crescido nisso. Habituou-se que um jogador profissional normalmente temos sempre algum tipo de dor [risos], nunca estamos a 100%. Vejo-o muito preparado. O mais importante: o Inácio é talvez dos jogadores de formação que encontrei que mais gosta de aprender. Falamos muitas vezes antes do jogo, sobre jogadores que vamos encontrar, o passe que ele pode meter, é um jogador que arrisca muito, gosta de fazer os passes difíceis, que rompem linhas, que vão para o espaço. Acredito que, jogo após jogo, treino após treino, pode ainda melhorar. O bom é que ele continua a ouvir, nada lhe subiu à cabeça. Veremos um melhor Inácio daqui para a frente.
Estão a ver-se muito estruturas como o 3-4-3 e variantes. Achas que há o risco de um central ficar menos forte por se habituar a jogar a três?
Depende. Eu, por exemplo, joguei em Siena e foi a primeira vez que joguei com três centrais. Realmente sentia que as minhas qualidades de antecipação e saída de bola – não havia muita pressão no futebol italiano, jogava muito baixo [recuado] – eram muito propícias àquele jogo. Com o mister Amorim é totalmente diferente, obrigou-me a desafiar-me em todos os sentidos. Ele gosta que tentemos jogar com a linha subida no meio-campo. Se calhar podemos perder uma ou outra coisa relativamente a quando jogamos com dois, mas o desafio é muito maior porque agora, por exemplo, o central da direita e da esquerda jogam muitas vezes a lateral e obriga-nos a ir à linha com o jogador se calhar mais perigoso da outra equipa, o extremo. O jogo fica diferente. Sinto que se calhar quando for exposto a uma linha defensiva diferente, com outro treinador, noutra equipa, que prefira defender mais na área ou homem a homem, esses estímulos vão ter de ser recuperados. O treino vai ser diferente.