É uma frase que resume de forma cabal a experiência de Fernando Santos enquanto selecionador nacional. Por ter ganhado o Europeu de 2016 com a premonição inicial que só voltaria para casa com a taça no bolso, recebeu e ainda recebe bastante crédito dos portugueses mais virados para o lado emocional. Há uma dívida de gratidão para com o único selecionador principal que conseguiu um caneco, e também para com Cristiano Ronaldo, o melhor jogador da história do futebol português.
Mas, nunca podemos esquecer que o futebol é um exercício de demonstração constante de qualidade. Quem se agarra ao passado acaba por ser ultrapassado e ver outros surgirem com mais competência para o presente. O futebol faz-se e joga-se no agora e não no que se fez atrás, porque o que é dado adquirido ontem perde importância nas formas de ação de hoje. Por isso, é preciso evoluir e dar o salto qualitativo que cada geração exige, que cada grupo pede, que cada circunstância reclama. Para cumprir com o mais importante, para estar mais perto da vitória, é preciso ter os melhores a render de forma semelhante ao que fazem nos clubes.
Olhando para os convocados e para a Turquia, que costuma aparecer num 1x4x3x3 algo conservador, de jogo direto em Yilmaz, bolas paradas e lançamentos para contra-ataque de Çalhanoglu, a estrutura de Fernando Santos não deverá fugir do também habitual 1x4x3x3, com Cristiano Ronaldo como avançado centro.
Rui Patrício ainda é uma escolha óbvia para a baliza. Na ausência de Rúben Dias e Pepe, a defesa deverá ser composta com Raphaël Guerreiro, Danilo, Fonte e Dalot. Com isto, Portugal garante competência no duelo com Yilmaz no corredor central da defesa, tendo Fonte e Danilo como referências para a primeira bola, e ao mesmo tempo dois laterais de características diferentes, mas que emprestam variabilidade ao ataque nacional. Perde velocidade no centro da defesa, mas o tempo de trabalho com a seleção principal deverá pesar mais do que a disponibilidade para correr mais depressa.
Cancelo é um nome incontestável, joga bem por fora e por dentro (assim Fernando Santos o deixe soltar-se), tem um contra um e finaliza de qualquer lado, com qualquer pé, mais perto ou mais longe da área. Serve os colegas com a mesma qualidade com que os melhores médios fazem. A sua ausência fazer-se-á notar, mas Dalot entra na equipa e pode servir como equilíbrio de todos os da frente. Permite soltar mais os médios e garante também velocidade no momento de defender os contra-ataques do adversário. Não sendo de topo a definir no último terço, é rápido e competente no cruzamento, o que poderá ser importante para servir Ronaldo.
Raphaël Guerreiro tem a concorrência de Nuno Mendes e não chocaria a entrada do lateral do PSG, até olhando para a menor velocidade nos defesas centrais. Guerreiro não é tão rápido, não é tão forte no um contra um e não é tanto de corredor. Contudo, isso confere-lhe uma vantagem pela imprevisibilidade das suas ações. Ele cruza tão bem quanto Mendes, mas também vem dentro em combinações e finaliza melhor. Joga melhor nos espaços entre-linhas e, se não estiver enquadrado, decide rápido e bem. É de gestos técnicos finos, porém, só conseguirá aportar tudo isto à equipa se tiver liberdade para aparecer nos espaços mais congestionados e só sair deles para finalizar ou definir o último passe. Olhando para a forma como a Turquia defende, essa mobilidade e polivalência dos dois laterais portugueses pode fazer a diferença.
William Carvalho recuperou e passa um dos melhores momentos no futebol espanhol. Com liberdade para aparecer mais adiantado, com rasgos em condução, tem sido fundamental em Sevilha. Pese embora o balanceamento ofensivo dos laterais portugueses (por serem peças importantes para os desequilíbrios ofensivos) lhe possa retirar alguns movimentos e o colocar como parte das referências menos móveis e mais de equilíbrio. Ainda assim, é fundamental a sua competência na construção, sobretudo se pensarmos que é bastante competente a servir os colegas dentro do bloco, mesmo com as linhas contrárias mais cerradas. Não tem a mais-valia do Rúben Neves nas variações de flanco e no remate de longe, mas o jogo pedirá menos variações e mais ações de invasão do bloco provocando em condução para soltar, ou em passe mais curto.