O clima que se viveu na sexta-feira no Estádio do Dragão deveria fazer envergonhar todos os intervenientes diretamente envolvidos no jogo, como todos os indiretos a quem interessa o bem-estar do futebol. E desengane-se quem pensa que as incidências do jogo são atos isolados que se transformaram por força das circunstâncias e particularidades deste jogo.
Havia muito em jogo para o Sporting, que não podia deixar o seu adversário aumentar a vantagem que tinha, sob pena de ficar demasiado longe da revalidação do título; e o FC Porto que queria garantir que ficava, no mínimo, com os mesmos seis pontos de distância do segundo classificado, garantindo assim uma maior margem de conforto no caminho para o título. Estavam, por isso, os ingredientes lançados para um jogo que poderia revelar-se decisivo.
Mas, no lugar de discutir a entrada de Ugarte por Palhinha e o regresso de Taremi ao onze inicial portista, o jogo passou para segundo plano e emerge em primeiro lugar tudo aquilo que não deveria ter lugar no desporto. Não vamos falar da exibição de Fábio Vieira e de Matheus Nunes, ou da forma como FC Porto conseguiu durante largos períodos da primeira parte confinar o Sporting ao seu meio-campo defensivo. Surgirá pouca discussão sobre as substituições conservadoras do Rúben Amorim, que retiraram o pouco poder ofensivo que a equipa demonstrou, nem tão pouco das soluções atiradas para o campo com pouco critério tático de Sérgio Conceição. Fazer conviver Zaidu e Galeno num corredor, Francisco Conceição e Pepê noutro, serviria se o Sporting estivesse interessado em defender o corredor lateral, e também por isso, mesmo com menos um, o Sporting defendeu com algum conforto a sua baliza. Também não vejo que haja muito tempo para se falar da exibição paupérrima de Nuno Santos, da forma como o FC Porto pressionou quase sempre bem a saída de bola do Sporting ou do grande apontamento colectivo que foi o segundo golo dos leões.
Estou acostumado, infelizmente, a que estes jogos entre os grandes sejam mal jogados e estejam carregados de emotividade e mais estratégias para travar o adversário do que para construir. Sexta-feira, porém, ultrapassaram-se limites que nos fizeram reviver uma espécie de idade das trevas. Foram figuras de proa a intimidação e ameaças à integridade física, a violência e as simulações de falta. As entradas deixaram de ser só para disputar a bola e passaram a ser também para agredir o adversário. O árbitro passou a ser vítima de uma espécie de bullying dos jogadores das duas equipas que reclamavam em todos os lances, ajudados por um comportamento absolutamente irresponsável dos bancos de suplentes. João Pinheiro não esteve, também ele, à altura do jogo e da pressão que o condicionou; mas como é que se pode resistir a um clima de guerrilha constante, onde até quem participava na organização do jogo, com o dever de ajudar a que o mesmo decorra da melhor forma, é parte ativa na desestabilização que se gerou?
Não há inocentes nesta história. Há duas equipas que quiseram passar o jogo a tentar conquistar vantagens através da chico-espertice, com truques desleais e condicionamento do árbitro. Há um clima pesado no estádio que não tem qualquer interesse em que o jogo decorra de forma normal. Há dois bancos de suplentes que são dos piores exemplos para o desporto, dois bancos que acham que vale tudo para ganhar. Levantam-se e protestam de forma veemente, instigam constantemente e não cumprem com a premissa básica de auto-controlo para a criação de um ambiente propício à boa prática desportiva. Há perdas de tempo propositadas que nunca são compensadas, há mau futebol, e sim, há também uma equipa de arbitragem pouco competente a guiar o jogo.
Se há algo de positivo a tirar deste jogo é, e só, um jogador que tanto critico tecnicamente mas que demonstra ter o factor mais importante que me faz gostar tanto deste desporto: só estava lá para jogar à bola. Não foi a primeira que em altura de quezílias, o lateral nigeriano Zaidu demonstra o calma imperial e um alheamento absoluto de tudo que de mais abominável existe no campo de futebol. E se todos nós que estivemos de fora e todos vocês que estiveram em campo se limitassem a querer jogar e ver jogar, certamente teríamos com mais frequência grandes jogos de futebol com muita paixão e muita matéria para discutir.
Por isso, amigos, peço-vos: joguem à bola. De certeza que não é pedir muito.