UEFA Euro 2024

Sylvinho, o selecionador da Albânia que em Tirana passou a fazer 2,5 quilómetros a pé, todos os dias, para ir trabalhar

Os albaneses fazem esta quarta-feira o segundo jogo no Europeu, contra a Croácia (14h, Sport TV), depois de quase terem empatado com a campeã em título - e conseguido a proeza de marcar o golo mais rápido da história da competição. Este é o segundo Campeonato da Europa em que participam. Quem é o cabecilha desta seleção que saltou de um sofá na Invicta para fazer história na Albânia, país onde o parlamento está suspenso para que toda a gente possa assistir aos jogos da equipa?

Ian MacNicol

Estima-se que a Albânia tenha a terceira maior diáspora do mundo e que haja mais do dobro de albaneses a viver fora, do que dentro. A imigração para a Albânia também é reduzida. Porém, o país que no início da década de 90 era visto como o mais pobre e atrasado da Europa, já não existe. Em três décadas, evoluiu, aproximou-se dos padrões da União Europeia, à qual está candidata a entrar desde 2014, e tornou-se um destino turístico emergente.

Mas não foi para fazer turismo que o irrequieto Sylvio Mendes Campos Júnior, conhecido por Sylvinho, se instalou em Tirana, a capital, há pouco mais de um ano. Foi para fazer um reboot na sua ainda curta carreira como treinador principal. E para fazer história.

Quando em dezembro de 2022, recebeu o telefonema de Armand Duka, presidente da federação albanesa de futebol, para jantar em Milão, a surpresa foi grande e as borboletas começaram a levantar voo na barriga do técnico brasileiro. Na altura vivia em Portugal, tinha escolhido o Porto como base familiar, uma vez que o seu caminho foi quase sempre feito entre a Europa e São Paulo, no Brasil. Após um início de percurso como treinador principal algo penoso, que inclui a estreia aos comandos do Olympique de Lyon - durou apenas 11 jogos oficiais devido aos maus resultados - e oito meses à frente do Corinthians, de onde saiu debaixo de vaias, Sylvinho, ao mesmo tempo que lambia as feridas, ansiava por nova oportunidade.

Mas ele sabia que um passo em falso podia ser o fim de uma carreira que mal tinha começado. “Disse ao meu adjunto, Doriva: ‘Tenho de ser inteligente, não posso cometer erros, porque se fizer uma má escolha vou ter problemas’”, revelou, recentemente, ao “The Guardian”. E o desafio que lhe bateu à porta era gigante, tendo em conta que a Albânia não tem grande historial no futebol internacional.

Para aceitar o novo cargo, ajudou o facto do compatriota, Doriva, ter-lhe lembrado que ele tinha uma grande experiência como adjunto de Tite na seleção brasileira de 2016 a 2019. Além do seu passado como jogador, que começou precisamente no Corinthians, onde fez toda a formação e conquistou dois campeonatos e uma Taça do Brasil. Enquanto jogador, foi o primeiro brasileiro a jogar no Arsenal, na altura liderado por Arsène Wenger, passou pelo Celta de Vigo, Barcelona e Manchester City. No Barcelona, onde foi treinado por Frank Rijkaard e Pep Guardiola, ganhou três campeonatos, uma Taça do Rei e duas Ligas dos Campeões, ao lado de nomes como Messi, Ronaldinho Gaúcho, Deco, Samuel Eto'o, Xavi Hernández, ou Andrés Iniesta. E fez seis jogos pela seleção canarinha.

Currículo, de facto, não lhe faltava.

Sylvinho com a taça de Campeão Europeu, pelo Barcelona, em 2009
sampics

Primeira conquista: o coração dos albaneses

O toque de Midas pode muito bem ter sido a primeira decisão de todas as que tomou até agora, enquanto novo selecionador da Albânia. Resolveu mudar-se para Tirana e não ser mais um dos que só aparece quando há compromissos a cumprir. Por isso, quando no início de 2023 chegou ao seu novo escritório, com o antigo defesa argentino do Manchester City e do West Ham, Pablo Zabaleta, e o antigo médio do Middlesbrough, Doriva, como adjuntos, Sylvinho já tinha conquistado o coração do presidente da federação albanesa e estava pronto para trabalhar e convencer todos os albaneses.

A proximidade e o facto de ter passado a fazer a pé os cerca de 2,5 quilómetros que separam o hotel, onde vive, da sede da federação albanesa de futebol, cumprimentando muitos albaneses pelo caminho, ajudaram a reforçar a confiança em si. Ele próprio acredita que tudo isso passou para dentro de campo.

O primeiro grande objetivo? Apurar a Albânia para o Europeu de 2024, uma vez que só tinha participado no de 2016, onde obteve apenas uma vitória, frente à Roménia. Nos três meses que antecederam o primeiro jogo de apuramento para este Europeu, Sylvinho e a sua equipa técnica voaram pelo mundo para conhecer o maior número possível de albaneses a jogar fora e que eram elegíveis para a seleção. Viram centenas de vídeos e, de uma lista inicial de 70 futebolistas, reduziram-na para 23.

Apesar de ter perdido o primeiro jogo, por 1-0, contra a Polónia, a Albânia manteve-se invicta até ao final da campanha e foi líder do seu grupo no apuramento para o Europeu, ficando à frente da Chéquia e da Polónia.

Surpreendeu não só com o seu futebol de contra-ataque como com golos espetaculares, através de um 4x4x3 que é, digamos assim, muito liberal. Para o sucesso contribuiu Jasir Asani, de 29 anos, que joga na Coreia do Sul e que nunca tinha sido convocado antes das eliminatórias. “Estávamos a ver vídeos da sua passagem pelo futebol húngaro e pensei: ‘Quem é este?’ Tinha tudo o que queríamos: era ótimo no um contra um, rematava bem e era rápido. Durante alguns bons sábados, tivemos de vir para o escritório às nove da manhã para ver os jogos dele por causa da diferença horária”, explicou o selecionador à “BBC Sport”.

Todo o esforço foi compensado e o técnico brasileiro tornou-se uma celebridade na Albânia, tendo inclusive recebido a cidadania do país, em dezembro, como recompensa pelo feito.

Edith Geuppert - GES Sportfoto

Chegados a este Europeu, que arrancou a 14 de junho, este país dos Balcãs não podia ter calhado num grupo com pior cognome - o da morte -, onde terá de medir forças com os croatas (hoje às 14h), espanhóis e a atual campeã em título, a Itália, com quem perdeu no jogo de estreia. Não sem antes criar um frisson na barriga dos vizinhos do outro lado do Adriático, quando viu o seu médio, Nedim Bajrami, de 25 anos, marcar o golo mais rápido de sempre na história de um europeu: bastaram 23 segundos.

Foi o segundo golo marcado pela seleção albanesa em Campeonatos da Europa, depois do golo de Armando Sadiku frente à Roménia, em 2016, no único jogo que a seleção albanesa venceu naquela competição, mas não foi suficiente para desorientar a Squadra Azzurra, que acabou por vencer por 2-1. Mas a Albânia está cheia de histórias dentro: Bajrami, o marcador do golo, nasceu em Zurique, filho de pais albaneses, teve em tempos de levar a FIFA a tribunal por não o permitir, inicialmente, jogar pela seleção albaneses, no que o jogador considerou ser uma aplicação demasiado restritiva das suas regras de naturalização.

Ainda há muito para decidir. E mesmo que os albaneses não sejam capazes de passar à fase a eliminar, a expectativa é que Sylvinho, conhecido por ser muito “elétrico” e “vivo” na forma de falar, seja capaz de conduzir também a Albânia, que ainda não tem McDonald's, ao Mundial de 2026. Para já, o interesse nesta seleção é tão grande que o primeiro-ministro albanês, Edi Rama, suspendeu o parlamento do país por 10 dias para permitir que mais de 100 ministros e deputados assistam aos jogos da equipa no Grupo B.