Surpreendeu, como um pedregulho atirado para o mar em modo chão, sem uma brisa a soprar à superfície, que espalha ecos do estrondo e as ondas de choque pelas moléculas de H2O. Poucos meses contados desde o seu sorriso rasgado na cara a festejar mais um título de campeã do mundo, Isabela Sousa retirou-se do circuito na flor da idade, aos 32 anos. Citou estar cansada de uma “luta” que trava há muito, de levar com as consequências e de “ir contra uma parede” que sente existir na International Bodyboarding Cooperation (IBC).
Esta última parte disse-a à Tribuna Expresso, a da batalha e das feridas colhidas deixou escrita no Instagram, na semana passada. Nascida no Brasil, a eleição de Jair Bolsonaro, em 2019, e o clima de medo e violência que sentia no país deram-lhe o empurrão que a fez mudar-se para Portugal, onde já é portuguesa. Em entrevista, conta em filtros os motivos que a puxaram a deixar o circuito mundial de bodyboard e neles cabem críticas à organização, por dar prioridade aos homens quando o oceano está mais bem-diposto de ondas e de não querer dialogar com quem discorda, ou pensa diferente.
De repente, mas não do nada, a maior competição de bodyboard perdeu uma das duas mulheres (a outra é Neymara Carvalho) que têm cinco títulos mundiais conquistados. Só que “os valores estão acima de um troféu”.
És pentacampeã mundial e atual detentora do título, mas, de repente, anunciaste que a retirada do circuito. Quais foram as razões?
Parece que foi uma coisa meio que tirada assim de algo pontual, mas não, esta decisão já vem de há algum tempo. Antes, para dar uma visão geral, existe uma organização nova que começou a tratar das competições depois da covid-19. Tiveram várias reuniões com os atletas e veio com a proposta de centralizar o poder numa organização, querer diminuir custos e investir em media, prémios de participação e boas condições para os atletas. Quando as competições começaram a acontecer, no feminino começámos a ver situações desagradáveis. Por exemplo, na Praia Grande, em Sintra, no primeiro campeonato que houve [após a pandemia], eles colocam as meninas na água sempre na maré cheia. Pela minha história no desporto, sempre fui pessoa de bater o pé. Não sou representante dos atletas, mas sempre procurei reunir, dizer que não está certo e que isso não pode ser. Antigamente, na logística da competição, havia um diretor de provas que era um australiano, o Terry, que viajava para todas e estava ali para apaziguar. Essa função não existe mais e o cargo foi dado ao chefe dos juízes, que é o diretor técnico do circuito mundial e chama-se Francisco Garritano. Conheço o 'Chico', ele é brasileiro e tem uma personalidade complicada de lidar porque não aceita erros, ele nunca erra, ele nunca errou [ri-se]. Sempre que lidava com alguma pessoa da entidade em relação a esse tema, era com ele.
E qual era a reação?
Tivemos várias discussões e no primeiro campeonato do IBC no qual competi, o tal em Sintra, que não valeu para o mundial, disseram que eu estava enganada e que na maré cheia tinha ondas. Eu disse: "Gente, eu sei ler as previsões, eu morava aqui na Praia Grande" [ri-se]. Enfim, dei este exemplo da Praia Grande, mas aconteceu em outras provas, como no Chile em Antofagasta. Se procurares na internet pelo campeonato de 2022, os homens tiveram altas ondas e o feminino guardaram para o último dia porque a organização tinha um acordo com patrocinadores, então tinham de acabar a prova no domingo - então terminaram todas as categorias e deixaram o feminino e o pro júnior para o último dia. Se procurares, vais ver uma diferença absurda na qualidade de ondas. E nessa competição bati o pé, tive uma reunião depois do campeonato e tentaram, de certo modo, coagirem-me um pouco. Este ano aconteceu a mesma coisa, as meninas só competiram com boas ondas porque eu estava lá, brigando. No bodyboard o julgamento é muito subjetivo. Na ronda em que perdi, fui desvalorizada. Tu podes sempre reclamar das notas, há um formulário que podes preencher, mas, depois, as explicações que vêm são muito contraditórias. Não existe uma lógica de julgamento. Cada vez que converso com a IBC é, justamente, com essa tal pessoa.