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Entrevistas Tribuna

“Não há um aumento da violência no desporto, o que há é uma menor tolerância. A reprovação social parece-me maior”

Na sequência de alguns casos de intolerância e violência no desporto e sobretudo no futebol português, Daniel Seabra, um antropólogo de 54 anos, que também é professor na Universidade Fernando Pessoa e que escreveu o livro "Claques de futebol, o teatro das nossas realidades", oferece à Tribuna Expresso a sua visão do fenómeno. A moldura penal é adequada e seria até “perverso” agravá-la, sugere. O investigador reflete ainda sobre o papel dos dirigentes e das televisões
Octavio Passos

Há quanto tempo estuda o fenómeno da violência no futebol?
Desde 1992. Posso dizer-lhe que a minha dissertação de licenciatura, a minha tese de mestrado e a minha tese de doutoramento foram sobre este fenómeno, sobre o comportamento das claques de futebol e claro que aborda as questões da violência.

Identifica um aumento de casos ou estamos simplesmente a dar mais atenção ao tema?
Exatamente... vou mais pela segunda perspetiva. Em bom rigor, com dados quantitativos fiáveis, ninguém pode afirmar que a violência está a aumentar ou a diminuir, se queremos discutir as coisas em termos de tempo longo porque, claro, de um ano para o outro conseguimos constatar se está a aumentar ou a diminuir. Mas importa ter em conta o tempo longo. Por exemplo, na época de 1981/82, 30% dos jogos de futebol tiveram incidentes. A minha perceção, porque investiguei, e atendendo aos relatos de violência que registei sobretudo da década de 1990 e final da década de 1980, é que não há propriamente um aumento da violência, se considerarmos o tempo longo, provavelmente até há um decréscimo.

Está a descer?
O que há é uma menor tolerância à violência. Ou seja, a reprovação social parece-me maior, o que é um traço muito relevante de um processo civilizacional em que as sociedades procuram ser menos violentas. Mas há também, sobretudo, uma maior mediatização. A violência é muito mais conhecida, porque os jogos de futebol são mais televisionados. Para além disso, há mais órgãos de comunicação social e hoje qualquer pessoa pode pôr uma cena de violência nas redes sociais. Toda a gente tem uma câmera. Se pensarmos que há mais violência, podemos estar a tirar uma conclusão precipitada. Eu percebo que haja uma perceção de que agora há mais violência, porque ela também está muito mais exposta. Se tivermos em conta o início do século XX até 1974, com os relatos que recolhi em notícias de jornais, ficaríamos assustados. Vemos relatos de extrema violência, uma violência absolutamente inaudita que não se encontra hoje. Lembra-se do Vítor Damas? Chegou a ser agredido com uma barra de ferro num jogo de futebol, entraram no relvado e agrediram-no. Agressões em árbitros, um árbitro cego, enfim, coisas absolutamente incríveis…

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