Crónica de Jogo

O Sporting que pode tudo só não pode ser parado

O Sporting até se deu ao luxo de jogar onde o Estoril queria que o Sporting jogasse, porque, neste momento, a melhor versão da equipa de Rúben Amorim parece ser capaz de tudo. Os jogadores só abrandaram quando, dentro do campo, começaram a perceber a gestão que, sorrateiramente, o treinador iniciou com o resultado confortável (fixou-se nos 0-3). Afinal, vem aí a Champions e os líderes da Primeira Liga vão em busca de oposição que por cá não têm encontrado

Gualter Fatia

Rúben Amorim vai desempacotando os novos jogadores. Ainda foram algumas as encomendas que lhe chegaram e ele tem andado muito ocupado a retocar a sua obra-prima, a escultura de um monstro ao qual deu o nome de Sporting. No Estoril, tirou a etiqueta a Maxi Araújo, o reforço que se estreou a titular no dia em que o seu treinador resolveu que no plantel verde e branco ninguém tem possibilidade de ganhar pó devido ao uso que é dado a todas as peças do serviço.

No Estádio António Coimbra da Mota tal situação não deu prejuízo. O melhor para as alergias até é mesmo manter a casa limpa e, de facto, o Sporting tem varrido tudo o que se lhe aparece pela frente. O Estoril provou exatamente o mesmo resultado (0-3) que AVS e Arouca, os últimos dois adversários dos leões no campeonato. São sete vitórias em sete jogos para o líder da Primeira Liga e, para já, só o FC Porto conseguiu não sofrer pelo menos três golos dos campeões em título. É um ar puro que desentope qualquer obstrução nasal.

Ian Cathro, o treinador do Estoril, apresentou métodos defensivos inovadores (vamos chamar-lhes assim). O escocês colocou um destro a lateral-esquerdo e um canhoto a lateral-direito, mesmo a convidar ao roubo sempre que os extremos contrários optassem por conduzi-la para o espaço interior. Fora das contas ficou o total encravamento que isto causaria no desdobramento ofensivo. Além disso, o treinador de 38 anos organizou o bloco baixo dos canarinhos em 4X3X3, libertando por completo o lado oposto àquele onde a bola se situava. Postura ousada contra uma equipa com largura aos montes como o Sporting.

Matheus Reis desfez as duas premissas de Ian Cathro – negar jogo interior e condicionar o portador da bola para que este fosse incapaz de variar o centro do jogo – num só lance. As virtudes da jogada individual desimpediram o caminho que ligava à zona onde Geny Catamo fez o primeiro golo.

Gualter Fatia

O Sporting saboreou todos os engodos. Mais do que o habitual, os alas vincaram tentativas de ligações diretas com os extremos. Tal cenário pressupunha que Viktor Gyökeres montasse a sua tenda no interior da área e que outros se juntassem a ele para povoar o entorno da baliza de Joel Robles. Morita foi quem mais se assemelhou a um segundo avançado. Aos 15 minutos, tentou picar por cima do guarda-redes. Mais tarde, fez o 2-0 levando o braço bem atrás para afinar o corpo e golpear o cruzamento de Trincão. O metódico japonês armou o movimento e suspendeu-o até a bola chegar até si. É o que dá pensar à frente, por vezes, fica-se à espera dos outros. Morita não se importou e sorriu. Sorriu muito.

Ao oitavo jogo oficial do Sporting nesta época, Geovany Quenda tirou folga. Sentou-se nas imediações de Conrad Harder, o dinamarquês que caiu do onze e foi substituído por Maxi Araújo na posição que, em condições normais, é império do lesionado Pedro Gonçalves. O upload de indicações que Adélio Cândido, adjunto de Amorim, fez ao cérebro do uruguaio durante o aquecimento foi processado com eficácia e descodificou as funções que Maxi Araújo teve que cumprir adiante de Nuno Santos pela esquerda.

Gualter Fatia

Por muito que Fabrício Garcia quisesse levar consigo o Estoril para o ataque, uma equipa inteira é fardo demasiado pesado para a força do seu pé esquerdo. Na ausência de capacidade ofensiva dos canarinhos, o Sporting mostrou comiseração. Ousmane Diomande falhou um desvio promissor e Francisco Trincão acertou no poste.

Confortáveis com o decorrer do jogo, os leões passaram pelas brasas. Entre a modorra verde e branca, Franco Israel teve que parar remates rasteiros e Debast aliviou alguns cruzamentos menos confortáveis que visavam Alejandro Marqués. Francisco Trincão foi quem mais cresceu quando Ian Cathro abdicou da tal ideia dos laterais de pé trocado. Foi a partir daí que se colocou mais vezes no espaço interior e conseguiu associações como a que acabou com o bem-sucedido remate exterior de Daniel Bragança.

Percebia-se que, dentro das quatro linhas, os jogadores interpretavam a gestão que o treinador estava a fazer. O Sporting ainda conseguiu dar mais minutos a Harder (como ponta de lança), descansar Hjulmand e deixar Gyökeres passar por momentos de descompressão. Gonçalo Inácio, após lesão, também voltou a sentir o cravar dos pitons na relva.

Rúben Amorim teve tempos no Sporting em que, olhando à distância, teria que dar a cara ao embaraço quando montava um onze. Neste momento, as soluções caem das árvores e a gestão não é comprometida por teóricos suplentes de nível discrepante face a quem é utilizado com mais frequência. Da mesma maneira, o treinador também agigantou as ambições nas competições europeias, aquelas que, até certo ponto, eram o motivo das suas imprecações, e avizinha-se a visita ao PSV, jogo que começou a ser jogado na linha de Cascais.