Crónica de Jogo

Da renovada versão de Wendell à nova pele tática, o FC Porto da metamorfose mantém o sorriso

Prosseguindo a tendência de bons resultados desde que adotaram uma fórmula de jogo diferente, os dragões golearam (5-0) o Moreirense, com um bis do lateral brasileiro. Evanilson, Galeno e Eustáquio foram os outros marcadores

MIGUEL RIOPA/Getty

Subitamente, respira-se novo ar no Dragão. Há 15 dias, o empate contra o Boavista levou o FC Porto para um duro clima de pré-crise, uma tristeza alicerçada nos resultados pouco conseguidos, fosse a diferença pontual no campeonato ou a eliminação precoce na Taça da Liga. Mergulhado na instabilidade do clima eleitoral que se vive no clube, a equipa estava, talvez, no mais complicado momento da era Sérgio Conceição, um labirinto de difícil saída.

Mas tudo muda rapidamente. E mais rapidamente muda quando, efetivamente, há mudanças. Juntaram-se os talentosos do meio-campo para a frente, destapou-se a vertigem goleadora e puff, fez-se novo conjunto, um FC Porto 2023/24 versão 2.0, que parece cheio de atualizações de software.

A metamorfose começou no Estoril — que, simbolicamente, deixou de ser a besta-negra da temporada para marcar um recomeço —, prolongou-se contra o Sporting de Braga e consolidou-se contra o Moreirense. Depois de um 4-0 e um 2-0, eis um 5-0. O FC Porto nunca tinha estado mais do que dois encontros seguidos sem sofrer golos, agora está há três; pecava na concretização, com a pior primeira volta em termos goleadores da era Conceição, mas agora vai em 11 festejos em três encontros.

A mudança começou no esqueleto tático, adotando o 4-3-3. Prolongou-se nos nomes utilizados, com o talento de Francisco Conceição, Galeno e Pepê a voar atrás de Evanilson. E concluiu-se com o extrair da melhor versão de vários futebolistas. Eis o novo Wendell, o lateral que chega a zonas interiores e marca. Este é Francisco Conceição, não só extremo de linha e drible, mas criativo capaz de pensar por dentro. Olhe-se para Pepê, em constante movimento, não tanto um Otávio 2.0 mas um Pepê 2.0, mais hiperativo que se multiplica pelo relvado do que pensador a meio-campo. Eis o novo amanhecer para a época azul e branca.

MIGUEL RIOPA

Os sinais de esperança vieram logo aos 8', quando Francisco Conceição, especialista nos cruzamentos que viajam em arco, fugindo do guarda-redes ao mesmo tempo que se aproximam do rematador, ofereceu um presente a Wendell. O lateral, que no início desta boa fase, no Estoril, revelara conforto a construir por zonas interiores, abriu o marcador.

Apesar do golo madrugador, que já fora precedido por um lance em que Francisco Conceição, isolado por Varela, rematou mal dentro da área, não houve vertigem na meia-hora inicial. Com efeito, no primeiro terço do desafio, não houve mais nenhum lance de perigo, guardando-se a euforia para mais tarde.

O Moreirense chegava ao Dragão procurando o que jamais fizera: pontuar na casa do FC Porto, onde perdera nas 13 visitas anteriores. A 14.ª não foi exceção.

Sem o goleador André Luís, o fantástico cabeceador que foi transferido neste mercado para a China, os minhotos procuraram ser agressivos na pressão, fazendo da recuperação de bolas em zonas subidas um atalho para chegar perto de Diogo Costa. Tiago Aguiar, o adjunto de Rui Borges que, pelas questões de cursos e regulamentos, ocupa o papel de técnico principal na ficha de jogo, tentava incitar essa pressão com uma permanente agitação na área técnica que evidenciava o investimento que os cónegos faziam naquele momento do jogo.

Apesar do esforço em morder a posse do adversário, o Moreirense só rematou uma vez à baliza de Diogo Costa em todo o duelo, num tiro frouxo de Camacho aos 28'. Do outro lado, o FC Porto só ameaçou o 2-0 na parte final do primeiro tempo. Francisco Conceição, num daqueles lances em que recebe na meia-direita e todos sabemos o que fará, mas ninguém o consegue impedir de fazer, teve a melhor situação para dobrar a vantagem antes do descanso.

No recomeço, Kodisang roçou o 1-1, num remate de pé esquerdo que passou a escassos centímetros do poste direito de Diogo Costa. Morreria ali a resistência do Moreirense, que passou a ser espetador privilegiada do veneno que existe nos novos tempos que parecem correr no Dragão.

MIGUEL RIOPA/Getty

Com cinco golos em oito disparos à baliza dos minhotos, a goleada azul e branca foi, também, uma história de eficácia. E o mais letal de todos é Evanilson, que é a grande face do recuperar do sorriso nos dragões. Sem lesões, lidera o ataque, com cinco golos neste trio de partidas que assinalam a metamorfose. Taremi? A ausência do iraniano nem é tema. Aos 60', Evanilson penteou um cruzamento de Varela para fazer o 2-0. São já 16 golos na época.

Já com o resultado desnivelado, o Moreirense desligou e o FC Porto aproveitou para se divertir. Aos 69', o sprinter Galeno pegou na bola antes do meio-campo e foi galgando metros, uma gazela humana, de passada larga e mirada colocada no objetivo. Só parou quando se encontrou com ele, rematando para o 3-0.

Mas a renovação das renovações é a de Wendell, de confiança plena, subindo no campo, indo em diagonais para o centro e não apenas avançando colado à linha, mostrando entendimento para compensar os movimentos de Galeno. Depois do 1-0, ameaçou o 2-0 e, aos 72', chegou mesmo ao 4-0. A goleada seria terminado aos 82', por Varela.

Sérgio Conceição garantiu que a nova roupa tática não se deveu a qualquer “peditório para a igreja FC Porto”. Seja como for, o FC Porto 2.0 deixou as esmolas de golos, disse adeus à pobreza franciscana, e abraçou a abundância.