Crónica de Jogo

O GPS de Bruno Fernandes encontrou as coordenadas da dupla Ronaldo-Ramos para levar Portugal à Alemanha

A seleção bateu (3-2) a Eslováquia, garantindo o apuramento para o Euro 2024. Pela primeira vez, o capitão e o avançado do PSG foram titulares em conjunto, tendo a precisão de Bruno Fernandes assistido ambos. Após 45' de alto nível, Portugal sofreu os primeiros golos da era Martínez, mas obteve o sétimo triunfo em sete jornadas

Gualter Fatia/Getty

Chegar a um Europeu levaria, durante boa parte da história do futebol nacional, a grande festa, alegria abundante, satisfação em doses elevadas por lograr uma proeza. No entanto, quando o Portugal-Eslováquia terminou e a seleção selou a presença no Europeu 2024, na Alemanha, os sorrisos eram contidos, quase burocráticos. Havia felicidade, claro, mas mais uma sensação de dever cumprido do que de grande feito alcançado.

São os sinais dos tempos. Afinal de contas, estar em grandes fases finais converteu-se em doce hábito, ou não fosse esta a 13.ª fase final seguida. Mas, depois dos play-offs e das calculadoras, dos sofrimentos e das conjecturas, sabe bem um apuramento limpo. Sete jogos, sete triunfos, bilhete para o grande torneio do próximo verão garantido.

Em noite de chuva abundante, Bruno Fernandes foi o homem do mapa da mão, o que escolheu os caminhos, o guia do ataque à viagem para a Alemanha. Levantou a cabeça, detetou movimentos, assistiu. No 3-2 contra a Eslováquia, nasceu da associação do maiato com uma nova dupla o melhor futebol de Portugal.

Cristiano Ronaldo e Gonçalo Ramos foram, nos últimos 12 meses, símbolos opostos na equipa nacional. A velha hierarquia e as novas mudanças, a aposta pela lenda dos mil e um golos ou pelo algarvio agressivo e venenoso, o debate nacional em torno da suplência de um, o hat-trick à Suíça do outro, as dúvidas sobre como será quando a oposição for mais forte.

Em dia de festa, ambos brilharam. O do PSG abriu caminho para a vitória, o do Al-Nassr selou-a. Na parte final houve algum sofrimento e os primeiros golos encaixado da era Roberto Martínez, mas nada para fazer parar corações como em apuramentos recentes.

Carlos Rodrigues/Getty

No Dragão, a noite foi, além de celebrações, de homenagens. Cristiano Ronaldo foi condecorado por ter chegado às 200 internacionalizações, marco estabelecido frente à Islândia, e a seleção de râguebi subiu ao relvado no intervalo, recebendo o carinho devido depois das proezas dos ‘lobos’.

No primeiro tempo, a Eslováquia até poderia ter feito o 1-0, num lance em que António Silva cortou um cruzamento de Hancko, o lateral que viria a apontar o 2-1. A bola foi na direção da baliza, mas Diogo Costa desviou o quase auto-golo para o poste. Com exceção desse lance, a etapa inicial foi um monólogo.

Antes do dilúvio que marcou o segundo tempo, viu-se um enorme domínio nacional, com uns incríveis 16 remates nos primeiros 45', sete deles à baliza. Os visitantes demoraram 62' a finalizar enquadrado com o alvo. Cristiano Ronaldo e Gonçalo Ramos foram titulares pela primeira vez em conjunto e a parceria deu, na primeira parte, em muita fluidez e mobilidade, leveza e caudal ofensivo.

Sem gosto por ficar fixo entre os centrais, o madeirense ia-se movendo, sempre com o algarvio a compensar essas deslocações, cheirando o espaço livre, lendo a situação. Rafael Leão dava amplitude na esquerda e Bruno Fernandes e Bernardo eram a força criativa do costume. Já depois dos craques do United e do City terem roçado o 1-0, este chegou mesmo aos 18'. Bruno, com classe, tirou um adversário do caminho e cruzou com GPS incorporado, um passe que flutuou pelo céu do Porto, ali perto da Maia, onde ele nasceu. Na área estava Gonçalo Ramos, que cabeceou para o sétimo golo em nove internacionalizações.

Com Portugal a acumular situações de perigo, o 2-0 chegaria aos 29'. De penálti, frio e sereno, Cristiano Ronaldo deixou a Alemanha ainda mais perto, na baliza oposta à do golo de estreia. Até ao descanso, a dupla de pontas-de-lança falharia, em mais do que uma ocasião, o 3-0.

Na segunda parte, Portugal baixou o ritmo. Fosse pelas facilidades anteriores, pelo relvado mais pesado pela chuva, pela consciência de um calendário que não permite que estes futebolistas descansem, os locais foram mais lentos e previsíveis, cedendo, até, a iniciativa ao rival. A Eslováquia aproveitou para se esticar no campo e, aos 69', um remate de Hancko, desviado por António Silva, foi o primeiro golo encaixado na era Roberto Martínez.

No entanto, três minutos depois, o tal GPS encontrou o rematador do costume. Cruzamento de Bruno Fernandes, golo de Cristiano Ronaldo. Na mesma baliza onde um adolescente com cabelos de esparguete fez o primeiro golo por Portugal, um capitão feito lenda chegou a uns disparatados 125 festejos com a camisola nacional.

A Eslováquia, que na segunda parte igualaria os vencedores do jogo em número de remates (9 para cada), voltaria a reagir, num grande tiro do pequeno Lobotka que fixou o 3-2 final. Até ao derradeiro apito, Portugal esteve bem mais perto de dilatar a vantagem do que sofrer o empate, mas João Félix e Diogo Jota, recém-entrados, não conseguiram superar Dubravka, sempre com Bruno Fernandes liderando as ofensivas.

Sete jogos, sete vitórias, 27 golos marcados, dois sofridos. O grupo não fazia antever dificuldades, mas jamais se vira tamanha facilidade para estar numa fase final. Talvez seja o acentuar da tendência recente de nunca falhar as grandes cimeiras da bola. Marque na agenda: 14 de junho a 14 de julho de 2024, na Alemanha.